Futebol Nacional

CLÁSSICO

Por que a gente não pode ser assim?

Mandante do clássico, Cruzeiro não sinaliza apoio a modelo de torcidas mistas. Clube deve liberar 10% de ingressos para o Atlético. PM e Minas Arena não se pronunciam

Juarez Rodrigues/EM/D.A Press

Rio Grande do Sul e Paraná deram exemplo. Agora cabe aos dirigentes mineiros copiar a ideia para tentar reduzir a violência entre os torcedores de Atlético e Cruzeiro nos clássicos. No domingo, o Gre–nal pelo Campeonato Gaúcho, no Beira-Rio, teve um setor do estádio reservado para tricolores e colorados se misturarem, sem qualquer preocupação. O clássico paranaense entre Atlético-PR e Coritiba, dia 22, continuou com separação de torcidas, mas, houve entrevista coletiva com jogadores e treinadores dos dois times juntos no Estádio Couto Pereira.

Para o clássico de domingo, às 16h, no Mineirão, o tempo está curto para a repetição da experiência de Porto Alegre. A reunião na Federação Mineira de Futebol, com representantes dos clubes e Polícia Militar, para tratar da segurança e da venda de ingressos, será amanhã, às 11h30, na sede da entidade, e deve-se repetir a divisão da carga de ingressos dos últimos jogos, com 90% para os cruzeirenses e 10% para os atleticanos.

A diretoria do Cruzeiro, mandante do jogo de domingo, não quis antecipar como será feita a partilha de torcida nem comentar a possibilidade de se adotar, futuramente, um setor misto no clássico, mas dificilmente liberará mais de 10% para os visitantes, sob o pretexto de não prejudicar seus sócios do futebol, que são mais de 68 mil torcedores. A Polícia Militar e a Minas Arena também preferem aguardar a reunião para se manifestar.

Já o Atlético defende a ideia de demarcar um espaço com as torcidas juntas, mas com uma ação conjunta de vários setores para que a iniciativa dê resultado. “Para nós, essa ação seria o melhor dos mundos, algo que todos desejariam. Mas ela funcionou muito no Rio Grande do Sul porque houve organização, divulgação e trabalho prévio da polícia, dos clubes e da imprensa para que tudo saísse como planejado. Então, seria necessário unir esses pontos”, afirma o diretor de comunicação Domênico Bhering.

No clássico gaúcho, a iniciativa foi da diretoria do Internacional, mandante do jogo. Uma reunião em 11 de fevereiro, quase 20 dias antes da partida, definiu como seria a experiência para tentar o clima de paz entre as torcidas. Um setor do Beira-Rio, com capacidade para 2 mil pessoas, recebeu torcedores das duas equipes. Os ingressos, no entanto, somente puderam ser adquiridos por sócios do Inter, e cada um deles teve direito de levar um gremista. O tricolor contou ainda com 1.300 lugares num setor exclusivo. Também se repetiu uma experiência da Copa do Mundo, o Caminho do Gol, um trajeto de 1,8 quilômetros com serviços e atrações artísticas, como apresentação da Banda da Brigada Militar, para deslocamento dos torcedores rumo ao setor misto.

REPETIÇÃO

Mesmo com toda a campanha pelo respeito ao rival, com pais e filhos, maridos e mulheres e primos torcendo juntos por equipes diferentes, houve briga entre torcedores no lado de fora do Beira-Rio, na chegada dos tricolores, com arremessos de objetos de lado a lado e danos a carros estacionados. Onze torcedores foram detidos. Também foram danificadas 47 cadeiras, câmeras de segurança e banheiros no setor gremista. O Grêmio terá de arcar com o prejuízo.

De qualquer forma, a experiência do setor misto foi positiva, e o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan Júnior, já anunciou que pretende repeti-la no próximo Gre-nal, quando for o mandante. O dirigente tricolor também anunciou que vai destinar 10% da carga de ingressos (5,5 mil bilhetes) para a torcida colorada. No ano passado, o jogo na Arena do Grêmio teve apenas 1,3 mil colorados, por determinação da Brigada Militar e Ministério Público.

MEMÓRIA
Da metade aos 10%
A polêmica quanto à divisão de torcidas no clássico Atlético e Cruzeiro começou em 2010, com o fechamento do Mineirão para a reforma visando à Copa do Mundo do ano passado. Em seus primeiros 45 anos, o Gigante da Pampulha comportou atleticanos e cruzeirense lado a lado, muitas vezes com menos de 10 metros de separação na arquibancada. Foram mais de 200 partidas (10 delas com mais de 100 mil pagantes) com o espaço de cada time determinado pela presença de seus torcedores pouco antes do início do jogo. Entre o segundo semestre de 2010 até a reinauguração do Independência, em 2012, o clássico foi disputado na Arena do Jacaré, em Sete Lagoas (também houve um jogo no Parque do Sabiá, em Uberlândia).

Alegando que não teria como fazer a segurança durante o trajeto, a Polícia Militar determinou que houvesse apenas torcedores da equipe mandante. No entanto, a medida prosseguiu nos dois jogos no Horto em 2012. O clássico de reinauguração do Mineirão, em fevereiro de 2013, também esteve ameaçado de contar com torcida única, mas, por interferência do governo do estado, houve divisão meio a meio. Foi a última partida assim. Depois, o jogo mais importante do futebol mineiro seguiu sendo disputado apenas com 10% de torcedores do time visitante, conforme determina o Estatuto do Torcedor. Isso quando o Cruzeiro não abria mão até da sua carga no Independência, para evitar tumultos e perda de mando de campo.


ANÁLISE DA NOTÍCIA
Que o exemplo do Sul se frutifique
Se a experiência de criar um setor misto para as torcidas dos centenários rivais Internacional e Grêmio foi bem-sucedida, pelo menos dentro do Beira-Rio, por que não fazer o mesmo no Mineirão, palco do Cruzeiro x Atlético de domingo? Basta que haja interesse por parte dos agentes envolvidos na organização e na logística do espetáculo: os dois clubes, a Federação Mineira de Futebol, a Polícia Militar e o Consórcio Minas-Arena. À imprensa, responsável pela divulgação, nem é preciso sugerir campanhas educativas. E quanto aos torcedores cruzeirenses e atleticanos, que abracem a feliz ideia, como foi feito pelos colorados e gremistas e, uma semana antes, pelas torcidas de Coritiba e Atlético-PR. Que o exemplo vindo do Sul ganhe os outros estados e se transforme num movimento amplo, de defesa do direito de torcer e, principalmente, conviver no mesmo espaço, como adversários na preferência da cor da camisa e não como inimigos num campo que tem de ser de futebol, jamais de batalha. (Cláudio Arreguy)

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