Sós, mas sem desistir

Garotos candidatos a jogadores se inspiram em colegas que chegaram a grandes clubes e mantêm treinamentos mesmo com o técnico detido

postado em 17/04/2012 08:51 / atualizado em 17/04/2012 10:46

Enviado especial

Jair Amaral/EM/D.A Press
Caratinga –
O caminho até chegar a um grande clube do futebol brasileiro é longo, cheio de intermediários, chantagens e aproveitadores. A pedofilia é uma dessas pedras. Um assunto latente, acobertado, que na maioria dos casos atinge crianças que são arrimos de família, vindos de cidades menores, longe da presença dos pais e entregues à própria sorte nos grandes centros. Em Caratinga, a prisão do treinador de futebol Maguila, que a polícia e o Ministério Público acusam de ter se aproveitado da proximidade com os meninos para oferecê-los a uma rede de pedófilos, foi um choque. O sonho de muitos garotos que continuam treinando nos campinhos ao redor da cidade, porém, não se apagou.

O Campo dos Rodoviários, no Bairro Santa Zita, periferia da cidade, beira o abandono. O portão trancado com cadeado está arrombado, e os muros que cercam o local, quebrados. O estado do gramado é deplorável e os gols nem sequer têm redes. As condições precárias e a recente prisão do ex-treinador não foram empecilhos para que Esteferson Azevedo, de 17 anos, e Rodrigues Paulo Figueiredo, de 20, continuassem a jogar.

Tefão, como é conhecido, e Rodrigues despertam no começo da manhã todos os dias. Tomam café, amarram as chuteiras desgastadas e partem para o campinho, cumprindo à risca todos os estágios do treinamento, mesmo sem professor. Se juntam a outros meninos, como Luiz Fernando da Silva e Ivan dos Santos Alves, ambos de 17 anos, se alongam sozinhos, correm e treinam finalização. Tefão é volante e lateral-direito e já fez teste no CFZ, do Rio. Rodrigues, atacante, já tentou a sorte no Bangu. Ambos sem sucesso.

“Eu acordo cedo, venho para o campo, almoço, descanso e venho de novo. É a vida da gente”, comenta Tefão. Rodrigues, por sua vez, lamenta a falta de oportunidade. “O mais difícil é sair daqui sem ajuda. Chegar lá e estabilizar. Com o Maguila era mais fácil, ele levava a gente, arrumava o clube, deixava no alojamento. Agora é difícil fazer isso sozinho”, comentou o atacante. Os dois não gostam de falar muito sobre o suposto envolvimento de Maguila com a pedofilia, mas enfatizam que nunca tiveram problemas com o treinador.

REVELAÇÕES Dois jogadores que hoje estão em clubes de elite foram revelados por Maguila. Jones Carioca, de 23 anos, armador do Cruzeiro emprestado ao Bahia, começou a carreira com o técnico até passar em um teste no Bonsucesso, do Rio. Após ser uma das revelações do Campeonato Carioca, chegou à Toca da Raposa em 2010, mas logo foi emprestado para Goiás e, sem seguida, Bahia.

Outro atleta descoberto por Maguila é o armador João Vítor, de 20 anos, do Flamengo, com passagens pela Seleção Brasileira Sub-18. Vitinho foi levado ao Rio pelo treinador em 2007, e aprovado em teste no Artsul, time que disputa a Segunda Divisão do Carioca. Destaque nos campeonatos de base, chegou ao Flamengo em 2009 e já figurou entre os relacionados do grupo principal.

Tefão e Rodrigues sabem que o caminho agora vai ser mais difícil, mas não temem. Além de treinar com disciplina, fazem as vezes de empresários da própria carreira. “ Estamos tentando com o conhecimento que a gente tem fora, com algumas pessoas que conhecemos. Pegamos alguns telefones do Rio e ligamos pedindo uma chance. Sair do interior é difícil, mas futebol é nossa vida”, pondera Rodrigues.

DRAMA HISTÓRICO
OLGA KORBUT
A ex-ginasta russa Olga Korbut denunciou que ela e colegas eram vítimas frequentes de abusos sexuais praticados pelos técnicos da delegação soviética. Dona de três medalhas de ouro e uma de prata em Munique’1972, aos 17 anos, ela recebeu em seu quarto a visita inesperada do técnico Renald Knysh, embriagado. “O que ocorreu depois são recordações terríveis”, afirmou, ao revelar o caso no fim da década de 1980. Temendo represálias, na época não contou a ninguém e se aposentou após os Jogos de Montreal’1976.

NADIA COMANECI
Sucessora de Korbut, a romena Nadia Comaneci, a primeira a receber nota 10 de todos os jurados em uma Olimpíada, em Montreal’1976, sofreu com o regime comunista. Aos 16 anos, tornou-se amante de Nicu, filho do ditador Nicolae Ceausescu, que a chantageava, ameçando cortar-lhe o salário. Em 1989, ela fugiu, se refugiou nos Estados Unidos, tornando público o abuso sofrido nas mãos da família do ditador.

EX-GOLEIRO DO GALO
Ex-goleiro do Atlético, Marcelo Marinho afirmou em 2005, quando jogava no Corinthians, que sofreu assédio sexual de um integrante da comissão técnica no período em que defendia a base do Vasco, aos 12 anos. O goleiro, que jogou no Galo em 2010, não revelou o nome do suposto assediador, mas afirmou que ele foi demitido mas saiu impune perante a Justiça.

BASE DO CORINTHIANS
Em 2007, um dirigente da categoria de base do Corinthians, que trabalhava no clube há 30 anos, foi acusado de pedofilia. Em entrevista, o armador Willian, hoje no ucraniano Shahktar, afirmou que “todo mundo sabia o que acontecia lá (no sítio do diretor)”. Ele alegou que nunca foi convidado “e, mesmo que fosse, não iria, pois sabia que alguma coisa de ruim poderia acontecer.”

JOANNA MARANHÃO
Finalista olímpica dos 400m medley em Atenas’2004, Joanna Maranhão tinha 9 anos em 1996, quando afirma ter sofrido abusos frequentes do treinador, no Recife. Em 2009, aos 20 anos, tornou o caso público, mas devido ao tempo decorrido foi impossível recolher provas suficientes. Joanna abraçou a causa e hoje é uma das principais militantes do país no combate à pedofilia.

BASE DO FLAMENGO
Em fevereiro de 2011, o Flamengo afastou um alto funcionário do clube acusado de pedofilia. Em denúncia, uma associada afirmou ter visto um dirigente acariciando ostensivamente um menino de cerca de 10 anos perto da sede da Gávea. A criança teria recebido R$ 100 do suposto abusador. Em seguida, outros casos envolvendo o diretor vieram à tona.