O OUTRO LADO DO FUTEBOL MINEIRO

Sina da chuteira apertada

Enquanto Cruzeiro e Atlético brilham, clubes tradicionais de outras cidades mineiras enfrentam oito meses sem jogos, crise financeira e dificuldade para revelar jogadores

postado em 26/08/2014 08:20 / atualizado em 25/08/2014 20:57

MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS


Renan Damasceno
Enviado especial
Divinópolis

Há duas temporadas, o futebol mineiro vive um dos períodos mais vitoriosos e férteis da história. Campeão brasileiro do ano passado, o Cruzeiro lidera a disputa atual, e o Atlético, vencedor da Libertadores’2013, levantou, há um mês, o segundo troféu continental em menos de um ano, o da Recopa Sul-Americana. Além disso, os clubes do estado foram os que mais cederam atletas para a primeira convocação da Seleção Brasileira pós-Copa do Mundo – com o alvinegro Diego Tardelli e os celestes Éverton Ribeiro e Ricardo Goulart.

Mas a realidade vitoriosa se resume aos dois maiores de Minas Gerais, se estendendo, no máximo, a América e Boa, respectivamente, líder e 12º colocado da Série B do Brasileiro. Uma das sínteses dessa crise é o leilão na manhã de hoje do Estádio Farião, em Divinópolis, do octogenário Guarani, um dos integrantes da Primeira Divisão estadual. Essa dupla face do esporte no estado abre a série “O outro lado do futebol mineiro”. O Estado de Minas mostra novos e tradicionais clubes que mudam de sede em busca de investimentos, e o endividamento de outros quase centenários. Além disso, torcedores órfãos por nove meses, equipes que nascem e morrem em pouco tempo e os desafios dos atletas da base às vésperas da aposentadoria para viver o sonho e a aventura da muitas vezes ingrata carreira de jogador.
MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS


No drama do Guarani, a motivação é reveladora do tamanho da crise: uma dívida de R$ 4 mil, contraída em 2002 por causa da construção de um módulo de arquibancada, que saltou para R$ 30 mil com a incidência de juros. Sem jogos no segundo semestre e, consequentemente, sem renda, o Bugre sustenta não ter dinheiro para quitar todos os débitos. O clube recebe cerca de R$ 300 mil de cotas de TV e, com patrocinadores e bilheteria, tem orçamento anual em torno de R$ 700 mil. O dinheiro é usado para pagar a folha salarial (R$ 115 mil mensais) por quatro meses, manutenção do estádio e funcionários.

Não é a primeira vez – nem deve ser a última –, que o estádio vai a leilão. “A chance de perder o Farião é remota. O que teríamos a oferecer é permuta, mas como não há atividade, não temos renda”, alega o vice-presidente do clube, Vinícius Morais. O último jogo oficial do Guarani foi em 9 de março, pelo Mineiro, e o próximo apenas em fevereiro do ano que vem, quando estreia no Estadual de 2015.

O calendário e a falta de competições consideradas atraentes no segundo semestre geram um ciclo de problemas. Assim, os clubes não têm caixa com bilheteria, cotas de televisão e patrocínio nem lançam jovens talentos. “Em um campeonato curto como o Mineiro, com 11 jogos, não dá para queimar um menino em jogo com concorrente direto. Por isso que todos apostam em veteranos. Há quanto tempo o Mineiro não revela um jogador?”, questiona o dirigente do Guarani.

DESEMPREGO

O Guarani, como os demais clubes do interior, assina contratos curtos, que vão de novembro (início da preparação) até março (término do Estadual). Com o fim dos Módulos I e II do Mineiro em abril, nada menos que 15 equipes – quatro da Primeira Divisão e 11 da Segunda –, ficaram sem atividades nos oito meses seguintes. Calculando que cada agremiação trabalha, em média, com grupo de 30 jogadores, quase 500 atletas precisam buscar, todo ano, empregos em outro estado ou são aproveitados por times menores da Terceira Divisão do Estadual, que começa em 7 de setembro.

EM RESUMO
Marcos Michelin/EM/D.A Press


R$ 700 mil
é a receita total do clube, sendo R$ 300 mil de cotas de TV

R$ 460 mil
é a folha salarial do time, por quatro meses, durante o Mineiro

R$ 30 mil
é a dívida do Guarani que motivou o leilão do Farião

OS SEM ATIVIDADE

Módulo I
Caldense
Guarani
Nacional
URT

Módulo II

América-TO
Araxá
Tricordiano
Democrata-GV
Democrata-SL
Mamoré
Montes Claros
Nacional (Uberaba)
Patrocinense
Social
Uberlândia
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Com o time até de maqueiro

Não é só o clube que sofre com a falta de jogos no segundo semestre. Prestes a completar 84 anos, o Guarani conta com torcedores apaixonados – não muitos, mais fiéis. “A gente faz de tudo para torcer. Viaja, dorme no carro, tira dinheiro do próprio bolso”, conta o empresário Maurício Gonçalves, de 37 anos, um dos fundadores da torcida Red Bugre.

Como o time fica, em média, oito meses sem atividade, Maurício, assim como muitos outros, passa o restante do ano torcendo pelas equipes da capital. No caso dele, o Cruzeiro. “A gente torce para time de fora, mas eles não precisam da gente. O Guarani precisa. Se tivesse jogo todo fim de semana, muitos torcedores estariam aqui para ajudar”, afirma.

A paixão é tanta que, às vezes, alguns extrapolam a condição de fã. O estudante Felipe Ítalo Ribeiro, de 27 anos, torcedor e sócio do Bugre, já fez o papel até de carregador de maca para auxiliar o clube. “Uma vez, o Farião recebeu jogo da Copa do Brasil Sub-20 e faltou ajudante. Um diretor perguntou se eu podia ajudar a carregar a maca. Eu desci da arquibancada e fui para o campo”, revelou Felipe, que sente falta de ver o Guarani em campo. “São só cinco ou seis jogos aqui por ano. É pouco. A gente sente saudade de vir para o estádio e torcer”. (RD)

As incríveis histórias vividas por torcedores para acompanhar o time:


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