FUTEBOL INTERIOR

Mais de seis décadas no futebol

Há sete anos parado, Procópio espera voltar a dirigir algum time. Ele se inspira nos tempos de zagueiro, quando retornou aos campos cinco anos após uma contusão

postado em 27/09/2015 12:00

Leandro Couri/EM/D.A/Press

Aos 76 anos, 61 deles dedicados ao futebol, Procópio Cardozo Neto ainda esbanja fôlego e lucidez. Sem muito esforço, o zagueiro reconhecido pela pujança física e a raça – a quem Nelson Rodrigues comparou certa vez a um “Dragão de Pedro Américo” – é capaz de enumerar companheiros de zaga desde o juvenil do Renascença, nos anos 1950, datas, placares, façanhas e títulos, que não são poucos – só de Mineiro, dentro e fora de campo, foram 10, entre 1959 e 1980, por Cruzeiro e Atlético, pelo qual é o único treinador a vencer três Estaduais consecutivos (1978, 1979 e 1980). Há sete anos afastado da prancheta, Procópio não esconde a vontade de voltar. Inspira-se na própria história, já que ficou cinco anos longe dos gramados quando era jogador. Em 13 de outubro de 1968, em jogo nervoso contra o Santos, no Morumbi, o camisa 3 do Cruzeiro rolava a bola para Murilo quando Pelé lhe chutou violentamente o joelho. Aos 29 anos, todos acreditavam ser o fim da carreira do zagueiro, que, sem contrato, foi trabalhar em um banco da capital para sustentar a família, enquanto se formava em educação física pela UFMG. Depois de três anos e meio de tratamento e retorno lento aos gramados, a fera voltou ao futebol profissional em novembro de 1973, como companheiro de zaga de Perfumo no Cruzeiro, e jogou mais duas temporadas, ajudando o time no vice do Brasileiro de 1974, antes de encerrar a carreira no Vitória. Procópio conversou com o Estado de Minas . Revelou estar trabalhando em um livro de memórias, que deve ser lançado no ano que vem. E contou dezenas de histórias divertidas – como a aproximação com o companheiro de zaga William para conquistar sua irmã, Mariam, com quem é casado há 52 anos –, falou de rivalidade e não poupou críticas aos atuais treinadores e à estrutura do futebol brasileiro.

INÍCIO DE CARREIRA

Comecei no infantil do Atlético, em 1954, mas era interno do Colégio Batista e não conseguia conciliar. Em 1956, fui para o Renascença, que passou a pagar minha condução. Cheguei no Cruzeiro em fevereiro de 1959, o primeiro jogador que o Felício Brandi contratou, quando ele assumiu como diretor de futebol. O Cruzeiro não ganhava nada desde que mudou de nome e fomos tricampeões. Saí no primeiro turno de 1961, contratado pelo São Paulo.

IDA PARA O ATLÉTICO

Em 1962, já noivo, o William me levou para uma festa na sede do Atlético, em Lourdes. O doutor Fábio Fonseca (dirigente do clube) me perguntou se eu queria voltar para Belo Horizonte para me casar e falei que queria. No dia seguinte, o Antônio Paulino foi conversar com o Manoel Raymundo Paes de Almeida, presidente do São Paulo, que me liberou de graça. Cheguei e fui tetracampeão.

BRASILEIRO DE 1963

Quase fiquei de fora do título do Brasileiro de Seleções de 1963. Em dezembro, me convocaram para a Seleção Mineira, mas pedi dispensa para me casar e voltar para São Paulo. Mas os dirigentes conversaram com o pai da minha noiva, o São Paulo renovou meu empréstimo e fiquei. Durante o campeonato, antes da final contra a Seleção da Guanabara, o Fluminense começou a negociar meu passe com o São Paulo. Ganhamos o jogo no Maracanã e, no dia seguinte, me apresentei no Fluminense. Cheguei ganhando o mesmo que o Castilho e o Altair, que era o teto. Fui voltar para Minas Gerais em 1966, para fazer parte daquele time espetacular do Cruzeiro, que conquistou a Taça Brasil.

GRAVE LESÃO

A rivalidade com o Santos se acirrou ainda mais com o título da Taça Brasil, porque havia quase uma década que eles não ganhavam de nós. Aquele jogo no Morumbi, que eles venceram por 2 a 0 depois de muito tempo, estava muito nervoso, tanto que avisei o árbitro José Mário Vinhas que o Santos estava violento e, se continuasse, não ia acabar bem. O Pelé estava entrando duro em todos e foi o que aconteceu: eu estava rolando a bola quando ele chutou meu joelho. Foi tão forte que desmaiei.

SEM MÁGOAS DE PELÉ

Não tenho mágoas do Pelé. O curioso é que, na semana anterior, os pais dele estavam em Belo Horizonte e eu os recebi. A irmã do Pelé, a Maria Lúcia, era casada com o Davi, um ponta de lança que o Cruzeiro contratou ao Internacional. Eles eram nossos vizinhos na Serra e nossas famílias eram próximas.

DIFICULDADES

Foram cinco anos difíceis até voltar. Meu contrato venceria em 30 de outubro e estava apalavrada a renovação de dois anos. O doutor Neylor Lasmar deu atestado que eu estava inutilizado e o Cruzeiro não renovou. Fiz o tratamento pelo INSS. Foram três anos e meio chegando às 7h e saindo às 19h do Arapiara. Tive de vender fazenda, casa, tudo, já que tinha dois filhos para criar e minha esposa estava grávida.

A VOLTA

Em 1970, o doutor Felício (Brandi) me chamou para ser técnico do juvenil. Em 1972, comecei a jogar no time da educação física e no Raposão, que era dos veteranos. Eles me viram jogar com 32 anos e perguntaram se eu queria fazer um teste no profissional, a contragosto de muita gente. Eu marcava Roberto Batata, Palhinha, Joãozinho, treinava todo dia bem, e nada de me chamarem. Um dia, o Perfumo perguntou para o Ílton Chaves (técnico celeste): “Por que esse moço não joga?”. Semanas depois, recebi um telefonema para ir para o aeroporto da Pampulha. À véspera do jogo, o Carioca (José Paulo, diretor) me ligou falando para eu ter cuidado, que, caso me machucasse, seria uma forma de encerrar minha carreira de vez, já que muito diretor era contra. Eles queriam me colocar para ficar livre. Zé Carlos conversou com Perfumo, que me chamou e falou: ‘Joga tranquilo, porque estamos aqui’. E deu tudo certo.

TRI PELO ATLÉTICO

Em 1977, eu já havia sido assistente do Yustrich no título do Cruzeiro, e no ano seguinte o Valmir Pereira me chamou para treinar o Atlético. Conquistei os três títulos, fui fazer um estágio na Roma e, na volta, os árabes acabaram me contratando. Deixei o time montado para o hexa.

RIVALIDADE COM O FLA

Aquilo que o Aragão (José de Assis Aragão, ex-árbitro) fez em 1980 foi uma roubalheira contra o Atlético (o Flamengo ganhou por 3 a 2 a finalíssima do Brasileiro, em que três atleticanos foram expulsos). Ele me processou, e meu advogado, que foi meu professor na Milton Campos, mandou eu confirmar que o havia chamado de ‘ladrão’. Eu falei: ‘Mas eles vão me prender’. Na audiência, o juiz me perguntou e respondi: ‘Roubou e roubou muito’. E minha defesa provou que era lei de imprensa, que eu não havia convocado coletiva e foram os jornalistas que divulgaram. Falei alto e bom som: ‘Roubou e roubou muito’. Fui absolvido e ele, desmoralizado.

MELHORES JOGADORES

Tive a oportunidade de jogar com Castilho no Fluminense, Djalma Santos no Palmeiras, Jair da Rosa Pinto no São Paulo, com alguns dos melhores jogadores da história de Minas Gerais e do Brasil. Tive a honra de dividir a zaga com William e Perfumo, dois craques. Zé Carlos era brilhante. Mas posso dizer: Reinaldo é gênio, Tostão é gênio, Pelé é gênio. Messi é jogador bom, Maradona, Dirceu Lopes são jogadores bons, mas gênio é diferente. No torneio de Amsterdã, o Cruyff foi cumprimentar o Reinaldo pelo que ele fez. Foram cinco minutos de palmas.

FUTEBOL ATUAL

O que a gente vê aqui no Brasil é uma vergonha. O 7 a 1 não foi por acaso. Quarta-feira, não vi Fluminense e Grêmio por causa do nível técnico. Fui ver Argentina e Estados Unidos no vôlei, porque o futebol brasileiro não dá gosto. Assisto por obrigação. Deliro vendo o Federer jogar, vendo o futebol inglês. Perdem ou ganham, os caras correm e lutam e tentam jogar o melhor.

TÉCNICOS ATUAIS

A grande maioria dos treinadores tem assessores de imprensa, muitos têm empresários que são amigos de jogadores e arrumam emprego. No futebol de hoje, os clubes estão pobres e os dirigentes, ricos. Um técnico que admiro hoje se chama Muricy Ramalho, e também o Levir Culpi, porque o que ele fez no Atlético depois de perder Ronaldinho e Tardelli foi incrível. Falta treinador que cuide da parte técnica, como eu fazia. O Dedé, do Cruzeiro, por exemplo, tem todos os ingredientes para ser o melhor zagueiro do mundo: tamanho, é magro, velocidade, mas ele é afoito. Falta alguém para orientá-lo. Mano Menezes nunca chutou uma bola.

RECONHECIMENTO

Na torcida, sou reconhecido por onde passo. Já fui eleito várias vezes o melhor zagueiro do Cruzeiro e não tem um retrato meu na Toca da Raposa. De 1966 eles não tiram porque não tem jeito, mas não faço a mínima questão. Não quero buscar reconhecimento, quero é olhar para trás e ver que deixei meu nome.

QUEM É ELE
Procópio Cardozo Neto

Nascimento: 21/3/1939, em Salinas
Posição: Zagueiro
Clubes como jogador: Cruzeiro (1959/1961, 1966/1968 e 1973/1974), São Paulo (1961/1962), Atlético (1962/1963 e 1966), Fluminense (1963/1964), Palmeiras (1965/1966) e Vitória (1975). Como treinador: Cruzeiro (1978, 1981 e 1986), Atlético (1979/1981, 1984/1985, 1992, 1995/1996, 2003 e 2004/2005), Al Arabi-EAU (1981/1983), Al Sharjah-EAU (1984), Al Saad-CAT (1986/1987), Catar (1987/1989), Fluminense (1989), Grêmio (1990), Al Ettifaq-EAU (1991), Internacional (1994), Bahia (1996), Al Wasslh-EUA (1998), Al Nasser-ARA (1999), Al Arabi-Catar (2001) e América (2008)
Principais títulos como jogador: Mineiro 1959, 1960, 1961, 1962, 1967 e 1968, Brasileiro de Seleções 1963, Taça Brasil 1966, Carioca 1964, Rio-São Paulo 1965. Como treinador: Mineiro 1978, 1979 e 1980 e Copa Conmebol 1992

NÚMEROS
Pelo Cruzeiro

212 jogos e 6 gols como jogador
41 jogos como técnico: 23 vitórias, 8 empates e 10 derrotas

Pelo Atlético
60 jogos e 2 gols como jogador
328 jogos como técnico: 199 vitórias, 71 empates e 58 derrotas

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