Futebol Internacional

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Tragédia de Heysel, na Bélgica, que mudou segurança em estádios, completa 30 anos

Incidente fez com que clubes, federações e governos adotassem novas regras de segurança e organização nos estádios de futebol em todo o mundo

postado em 24/05/2015 11:49 / atualizado em 24/05/2015 11:59

FP PHOTO / GIUSEPPE CACACE
Os pilares dos estádios modernos, no sentido literal e também no figurado, foram erguidos, paradoxalmente, a partir de uma tragédia. No dia 29 de maio de 1985, o confronto entre torcedores do Liverpool e da Juventus antes da final da Liga dos Campeões da Europa, no estádio de Heysel, na Bélgica, causou a morte de 39 pessoas e deixou mais de 600 feridos. Esse foi um ponto de virada na história do futebol, exigindo que clubes, federações e governos adotassem novas regras de segurança e organização. Três décadas depois, o esporte se transformou no mundo todo.

“Desde então, tudo mudou no futebol”, contou Alain Courtois, vice-prefeito de Bruxelas, ex-secretário-geral da Federação Belga e procurador presente em Heysel no dia do desastre. Na semana passada, ele acompanhou a reportagem em uma visita exclusiva ao local das mortes.

A mudança no futebol mundial começou no próprio estádio e se expandiu em um movimento por toda a Europa e o mundo décadas depois. A capacidade total foi reduzida de 65 mil para 48 mil lugares. Pela primeira vez, foi estabelecida a exigência de torcedores sentados. Com isso, as “gerais” foram abolidas. Menor agrupamento, menor chance de tumultos. Em 1985, não havia uma divisão de torcidas. “Hoje, há sempre um bloco vazio de separação, mesmo que a equipe adversária seja Andorra”, comparou Courtois.

O desastre de Heysel ocorreu depois que torcedores do Liverpool (os hooligans, que se encontravam com o objetivo premeditado do confronto) atacaram os italianos. Para escapar da morte, eles correram, esmagando e asfixiando aqueles que estavam encostados em um muro, que desabou.

No bloco Z, onde o massacre ocorreu, outras mudanças são visíveis. Divisórias foram colocadas em cada setor. O muro que desabou foi substituído por outra estrutura e as grades passaram a ter um novo sistema de abertura, sempre por fora. Câmeras foram instaladas em todo o estádio.

O acesso ao estádio também mudou. Hoje existem duas barreiras de verificação dos ingressos antes de o torcedor chegar ao seu lugar. É possível dar a volta no estádio e acessar múltiplas entradas. Uma central de polícia acompanha tudo. “Todos os clubes belgas foram obrigados a se adaptar, em obras de mais de 50 milhões de euros”, explicou o vice-prefeito.

As mudanças estruturais de Heysel se repetiram pelo mundo. O Maracanã, por exemplo, completa este ano uma década sem a geral, setor mítico que acolhia torcedores de pé. Falar das mudanças de Heysel é falar, ao mesmo tempo, de todos os estádios.

AFP PHOTO / MARCO BERTORELLO


PUNIÇÃO

Não foi exatamente a tragédia que mudou o futebol, mas as punições que vieram em seguida. Inicialmente, a Uefa conseguiu evitar uma condenação. Mas, em um recurso, a Justiça acabou responsabilizando a entidade máxima do futebol europeu.

Além disso, todos os clubes ingleses ficaram proibidos de disputar qualquer competição internacional por cinco anos, com exceção do Liverpool, punido por seis temporadas. “As mudanças não ocorreram depois do desastre, mas sim depois dos processos e das condenações”, disse Nicolas Ribaudo, jornalista que acompanhou a tragédia.

As mudanças não foram só estruturais. Segundo Courtois, novas leis foram criadas e foi estabelecido o direito de prisão administrativa caso a polícia considere que um torcedor representa uma ameaça em potencial. O objetivo era reprimir os hooligans. Nesse contexto, foram amplos os poderes dados às polícias, com possibilidade de cooperação internacional. “O combate inglês ao hooliganismo foi um marco. Embora baseada na repressão, a política controlou o problema, que persiste apenas nas divisões inferiores”, disse Bernardo Buarque de Holanda, professor e pesquisador do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da FGV.

Heysel ganhou o status de marco zero porque foi transmitida pela tevê, ao vivo, para cerca de 400 milhões de pessoas no mundo todo, o que gerou grande impacto. “Foi uma tragédia transmitida ao vivo, em uma final de campeonato internacional”, afirmou o professor. Mas, rigorosamente, outras duas tragédias também impulsionaram a melhoria das condições dos estádios ingleses. Em 1989, em Hillsborough, 96 torcedores foram esmagados contra as grades das arquibancadas - elas eram resistentes para dificultar as invasões de hooligans. O jogo reunia Liverpool e Nottingham Forest pela Copa da Inglaterra. Quatro anos antes, em maio de 1985, um incêndio destruiu parte do estádio Valley Parade, do Bradford City. Foram 56 mortos e 265 feridos. Detalhe: o incêndio aconteceu 18 dias antes de Heysel.

Todas as medidas para mudar a concepção dos estádios ingleses foram consolidadas pelo inquérito do Lorde Taylor de Gosforth. Daí, o nome “Relatório Taylor”, referência mundial. As principais causas apontadas para as mortes foram a falha do controle policial sobre a multidão e a inadequação das instalações do estádio, explicações que servem para todas as tragédias do período. Foi aí que o futebol mudou. “Foi irreal. Eu me dei conta da dimensão quando vi os sacos para os corpos”, disse o vice-prefeito.

Segundo o jornalista que estava no local, François Collins, o tema da segurança não existia. “Uma semana antes do jogo eu fui para Liverpool e, quando questionei os dirigentes sobre a situação dos hooligans, garantiram que o problema não existia. Todos, inclusive a polícia, estavam convencidos de que seria um jogo normal”.

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