Fred Melo Paiva

DA ARQUIBANCADA

A Massa não é a elite branca do Lembo

Você que grita 'bicha' no tiro de meta: sua atitude envergonha a história do Atlético, um clube que abraçou negros e mulheres desde a sua fundação, quando negros e mulheres também eram vítimas do preconceito de uma elite branca e machista.

postado em 28/02/2015 12:00 / atualizado em 01/03/2015 12:21



Recebo a notícia alvissareira que faz renascer as esperanças: o América ameaça proibir jogos da Libertadores no Independência, porque a Conmebol mandou cobrir o escudo do clube atrás de um dos gols, dispensando os atleticanos da obrigação do photoshop sempre que desejam pendurar na parede as fotos históricas do Horto.

A notícia é alvissareira porque abre a perspectiva de os próximos jogos serem levados para o Mineirão, onde um reparte maior de ingressos poderia ser vendido a preço popular. A despeito das contusões de Marcos Rocha, Pratto, Guilherme, Douglas Santos, Carlos, Jô, Leonardo Silva, o maior desfalque do Atlético no momento é a Massa.

Massa, digo, o povo – não essa elite branca do Lembo que tomou de assalto nossas arquibancadas pra vaiar jogadores inseguros ainda no primeiro tempo, e gritar “bicha” como uns Bolsonaros prestes a sair do armário.

Cláudio Lembo não é viúva de Che Guevara, certamente não chorou a morte de Hugo Chávez – ao contrário, é um conservador do PSD com carreira política no DEM. Foi governador de São Paulo por nove meses, quando Alckmin renunciou para concorrer à Presidência em 2006. Lembo ficou com a bucha do PCC na mão quando os criminosos fizeram mais de cem ataques na capital paulista. Abandonado por todos, botou o dedo na ferida ao responsabilizar a “elite branca, má e perversa” por nossa desgraça social. Evidentemente que sumiu do mapa.

A elite branca do Lembo é ignorante. Sua biblioteca é o Google; sua universidade, o Wikipedia; seu bar é o Facebook. A elite branca do Lembo é preconceituosa e tosca. Em sua residência, possui colunas gregas e mucamas que são “quase da família”.

Com acesso ao melhor da nossa educação, não conseguiu até hoje desvendar o segredo da vírgula. Crase, então, é física quântica. Pensa que Clarice Lispector é um perfil do Twitter. Só viaja ao exterior pra comprar. A elite branca do Lembo não entende outro código a não ser o do consumo. A generosidade, o amor, a solidariedade – a elite branca do Lembo não trabalha com esses produtos.

Taí, já faz algum tempo, o mais notório legado da Copa: essa elite expulsou o povo do estádio. Estádio, não – com o raio gourmetizador, “arena”. Não há mais geral nem arquibancada. Não há mais torcedor. São consumidores que exigem do time a eficiência de seu iphone SS megablaster. Se o time não funciona, se não há um 0800 onde possa reclamar, se não é possível trocar o produto por outro, só resta a vaia, o xingamento e a revolta.

Quando o Galo caiu em 2005, a torcida cantou o hino depois do jogo contra o Vasco, numa das manifestações mais lindas da atleticanidade em todos os tempos. Hoje, alguma dúvida de que seriam vaiados?

Você que vaiou o Atlético durante o jogo contra o Atlas, você que perseguiu o Emerson Conceição desde o primeiro tempo: você é o pior que há. Você é a desgraça do Brasil. Você que grita “bicha” no tiro de meta: sua atitude envergonha a história do Atlético, um clube que abraçou negros e mulheres desde a sua fundação, quando negros e mulheres também eram vítimas do preconceito de uma elite branca e machista.

Brancos, negros, ricos e pobres que estiveram no Horto apoiando o time durante os 105 minutos – perdão pela minha revolta. É que eu fui criado no velho Mineirão, e dói demais ver que aquilo, como a Itabira do Drummond, é apenas uma fotografia na parede.

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