Fred Melo Paiva

DA ARQUIBANCADA

Futebol? O Atlético não trabalha com isso

'Outro dia foi Deus desligando o disjuntor. Dessa vez foi aquela bandeirinha, sinistra como um fantasma, trocando passe com o Guilherme'

postado em 25/04/2015 12:00

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press


No fundo da minha alma carcomida de atleticano sofredor, eu não acreditava. Na minha triste condição de ex-ateu, devoto recente de São Victor, estava influenciado pela ciência dos números: estatisticamente, não haveria de cair o raio, de novo e de novo e de novo e de novo, no mesmo lugar. Sem contar que no domingo anterior já tínhamos digitado a senha do caixa eletrônico de Deus requisitando o crédito de dois gols pra acertar as contas com o freguês. Pensei comigo: fica gastando milagre à toa, na quarta-feira tamo no cheque especial.

Mas aí é aquela coisa: o sujeito toma uma no Ped Chopp do Brunão, ali ao lado do Chef Túlio, e vai ficando corajoso. Quando vem o Inferno Alvinegro, esse Círio de Nazaré do atleticano, nego já tá tão pleno de confiança que se passa a Gisele Bündchen a gente reboca na lábia e na disposição. Quando eu escalava a rua até o campo de jogo, já acreditava tanto, mas tanto, que se cruzasse o Willian Bonner era capaz de acreditar até na retrospectiva dos 50 anos da Globo apresentado naquela Escolinha do Professor Raimundo que o JN reinventou.

Antes do milagre primeiro de São Victor, a gente sofria e, com o perdão do santo, se fodia. Agora, a gente sofre igual – mas apenas espera a hora iluminada em que o sobrenatural acontecerá. Outro dia foi Deus desligando o disjuntor. Dessa vez foi aquela bandeirinha, sinistra como um fantasma, trocando passe com o Guilherme. Jogada como aquela só tinha visto com Rui Chapéu e Tiger Woods.

O Gilvan está convicto de que todo o mundo torce para o Atlético. Do Castellar ao Paul Stanley, do Marcelo Oliveira à família Marinho. Até ele próprio seria um torcedor do Galo, naquela hora em que, ao tentar secar, acaba abduzido por uma força estranha – e precisa trancar-se no banheiro, sozinho em sua casa, para soltar seu grito de Galo. Quisera Deus que fosse assim, meu caro Gilvan, e a humanidade ia poder sentir a beleza e a sorte de ser atleticano nos dias de hoje. Se o Santos parou a guerra, imagina o que esse Galo não faria.

À exceção do Crüzeiro, que trabalha com vôlei, todos os times de futebol do mundo trabalham com futebol – aquele esporte enfadonho em que 22 pessoas tentam acertar uma bola numa enorme caçapa. O Atlético trabalha com outra coisa, e a exemplo das igrejas não deveria pagar impostos. Fazer gol é para os fracos – o Galo faz devotos, opera milagres, recupera ateus, tripudia do impossível e ganha sempre no final. Parreira é que tinha razão: o gol é um detalhe.

É por isso que vemos hoje o poderoso Corinthians, o Real Madrid de Itaquera, entregar a rapadura pra fugir da gente. Eu faria o mesmo, porque embora eles pleiteiem a primazia na relação com o santo cavaleiro, quem veste as roupas e as armas de Jorge somos nós.

Sobrou para o Inter, adversário historicamente complicado. Vamo que vamo: não se pode querer moleza todo dia, ou jogaríamos apenas contra o Crüzeiro, a cidade se transformaria nessa festa do milho, e o mistério do desaparecimento dos sabugos acabaria por implodir as relações sociais.

Mas, enfim, deixemos isso pra lá e vamos nos concentrar no segundo time de Minas, a Caldense. Amanhã tem. Que não seja necessário gastar o estoque de milagres, que o raio não precise cair pela sexta vez no mesmo lugar. Que a gente vença como vencem os outros, sem sobressaltos e sem a ajuda da bandeirinha. E que a gente celebre no final, com todos os atleticanos do mundo. Até o Gilvan, se ele quiser. Tamo junto!

Tags: atleticomg galo coluna fred melo paiva da arquibancada Fred Melo Paiva