Fred Melo Paiva

DA ARQUIBANCADA

Como matar o futebol

"Minha decisão agora é a de nunca mais botar os pés num estádio. Tá claro que eu não sou público pra essa festa"

postado em 23/07/2016 12:00

Cesar Greco / Fotoarena
Você sabe, caro e paciente leitor: venho enchendo o saco faz tempo, denunciando a cafonização dos estádios, a gourmetização do futebol, a coxinização geral das torcidas, o triunfo dos consumidores corneteiros. Até hoje, porém, era aquela história de militar a favor dos fodidos, esse exercício cotidiano da esquerda caviar em que está lotado este escriba, portador do crachá de petralha-defensor-de-bandido-esquerdopata-comunista-aproveitador-da-Lei-Rouanet-etc.

Pois amanhã tem Palmeiras e Atlético no Allianz Parque (Parque Antártica, Caraglio!) e fiquei realmente chocado ao descobrir que eu mesmo acabei excluído dessa festa – não é pro meu bico, eu não tenho a pulseirinha, o fodido sou eu. Ao convidar minha diminuta família (dois adultos e uma criança de 8 anos) para o programa banal de ir a um estádio num dia de domingo, descobri que a conta chegaria perto dos R$ 500. Quinhentas pilas, pessoal.

Cinco Pernas, 10 Galos! Pensemos no que isso representa.O salário mínimo é R$ 880. Um médico em início de carreira não ganha R$ 5 mil. O piso salarial do professor é de pouco mais de R$ 2 mil. Um jogo de futebol a R$ 500 ??? Ingressos a R$ 110 pra cada um (ano passado foi R$ 160, diminuiu, é a crise, como são generosos…), picolé a R$ 10, água morna a R$ 8, flanelinha a R$ 40, cerveja quente a R$ 10, hot-dog vagabundo a R$ 30. “Que Cruzeiro”, diria o ídolo Riascos.

Uma pesquisa rápida na internet. Com 500 pilas nós três comeríamos um linguado com alcachofras e medalhões de vitela (também com alcachofras, mas dane-se) no Fasano. Nunca comi no Fasano nos 20 anos em que moro em São Paulo. Tem 38 jogos como Atlético e Palmeiras no Campeonato Brasileiro. Nunca entrei no Fasano, eu nunca fui no Dom. Nem sei onde fica o Café Photo.

No Decolar.com: a R$ 500 eu posso voar para Buenos Aires, ida e volta. Só fui lá uma vez. Posso me hospedar em Nova York por quatro dias. Também só fui uma vez. Posso comprar 10 exemplares de Brasil – uma biografia, o livraço de 792 páginas escrito por Lilia Schwarcz, uma das maiores historiadoras do mundo. Posso ver Gil e Caetano, sair e entrar de novo, e sobram R$ 80. Posso ir 17 vezes ao cinema (será que faço isso em um ano inteiro?). Posso escolher uma entre 259 bicicletas Caloi anunciadas no Mercado Livre por até R$ 499.

Eu torço pro Galo porque um dia meus tios me levaram ao estádio. Uma dupla de tios carregava cinco, seis, sete crianças. Menores de 12 anos não pagavam pra entrar, o picolé custava preço de picolé. Tropeiro, amendoim torrado, chope, bolinho de feijão – duplamente honesto, na qualidade e no troco. Hoje não dá pra levar filho, imagina sobrinho.Tivesse sido sempre assim eu seria como Temer, o homem sem time de futebol.

Pergunto: as novas gerações se interessarão por esse esporte?. Como o poeta interino, tornar-se-ão torcedores? Ser-se-ão malucos o suficiente por seus times para pagar preço de Fasano e ser extorquido no hot-dog? Estão matando a torcida de hoje e também a de amanhã. Nem como capitalistas prestam: estão matando a galinha dos ovos de ouro.

Estou sinceramente revoltado e triste: em 20 anos de SP, se faltei a três jogos do Galo (no estado inteiro!) foi muito. Minha decisão agora é a de nunca mais botar os pés num estádio de futebol. Tá claro que eu não sou público pra essa festa. Tô sobrando igual favela carioca na Olimpíada. Já que é assim, que se dane: vou cancelar o Premiere e voltar pro radinho. O ideal seria cancelar o futebol da minha vida. Infelizmente, ainda não cheguei a esse estado de elevação. Mas um dia alcanço esse nirvana, se Deus quiser e São Victor permitir.

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