Fred Melo Paiva

DA ARQUIBANCADA

Se o Galo for campeão, foi o amor que venceu

"O atleticano sabe que viver é lutar. E que a felicidade é um bônus, o famoso plus. O atleticano sabe que a fé é poderosa, move montanhas e põe a bola na casinha"

postado em 22/10/2016 12:00 / atualizado em 22/10/2016 12:06

Nos jogos contra Botafogo e Juventude, por circunstâncias da vida, eu só liguei a televisão depois dos cinco minutos do primeiro tempo. Evidentemente que Deus soube disso, porque se Ele tá vendo fazer tudo que se faz dentro dum banheiro, conforme falou o Raul Seixas, imagina na sala. Ao castigar esse pobre escriba com dois gols nos segundos iniciais das partidas, castigou também 8 milhões de fiéis. Fazer o quê?

Contra Deus não cabe recurso. Mas que foi abuso de autoridade aquela ajeitada com a mão, isso foi. Parecia o Cruzeiro disputando Mundial em Betim – o Mundial de vôlei. E o juizão, esse tal de Reway? Já tinha dado um jeito (way) de classificar o Flamengo na Copa do Brasil de 2014 contra o Coritiba. Agora, prejudicando o Atlético, deu um jeito de novo (reway) de favorecer o time carioca.

Bruno Cantini/Atlético

Em 2017, Reway planeja apitar pela Federação do Rio de Janeiro, veja você. Como Frank Sinatra, poderá dizer: “I did it my way” – eu fiz do meu jeito. Merece a comenda máxima do Sindicato dos Ladrões, embora esta deva estar em falta tamanha a demanda vinda de Brasília.

Se o gol sofrido prematuramente contra o Botafogo causou indignação e aquele déjà vu de Carlos Eugênio Simon (aliás era ele o comentarista na Fox, que falta de noção), o tento marcado pelo Juventude no início da peleja deixou o atleticano P da vida. Há relatos de carteirinhas do Labareda sendo rasgadas, GNVs quebrados ao meio – nada que um durex no dia seguinte não tenha dado jeito.

Conforme relatei em texto escrito logo após a contenda, naquele dia havia me submetido a exames de rotina em um cardiologista. Para verificar a frequência do coração, instalou-se um holter – aparelho que mede os batimentos por 24 horas. Você vai pra casa com aquilo, devolve no dia seguinte. O pobre do holter captou a decisão por pênaltis e testemunhou os milagres de São Victor. Ainda não saiu o resultado de sua aferição, mas já prevejo algo como um quadro de Pollock.

Tão logo Cazares converteu a última cobrança, meu pai, um raríssimo atleticano não-praticante – vascaíno de origem convertido por amor ao filho –, me escreveu: “Qual é o segredo dessa atração pela derrota?”. Embebido de toda essa minha filosofia de botequim, fora as 200 cervejas, respondi: “Ganhar depois de perder, ou vencer depois de muito sofrer, é infinitamente melhor. Por isso, pai, os herdeiros são tão infelizes. Por isso somos 8 milhões”.

O Atlético, meus amigos, é um curso superior, um doutorado, uma década inteira estudando em Harvard. Monges se trancam em mosteiros, jejuam, fazem votos de silêncio – esperando assim compreender a existência. Outros sobem as montanhas atrás do Zaratustra que lhe dará as respostas. O atleticano não precisa de nada disso: em 90 minutos de um jogo do Galo ele já encontrou o sentido da vida.

O atleticano sabe que estamos sempre a flertar com o ridículo, que o abismo está logo ali sob os nossos pés – como um gol inesperado nos primeiros segundos, pronto pra surrupiar os sonhos. O atleticano sabe que viver é lutar. E que a felicidade é um bônus, o famoso plus. O atleticano sabe que a fé é poderosa, move montanhas e põe a bola na casinha. E porque o Galo é amor, ele sabe que só o amor apaga as diferenças. Só ele nos concilia. Só ele nos devolve a humanidade que a gente perdeu.

Se o Galo for campeão do Brasil, o amor terá prevalecido sobre todas as coisas.

* * *
PS. Parabéns ao querido Rodolfo Gropen pela posse na presidência do Conselho Deliberativo. Diretor de planejamento do Galo, nunca aceitou receber salário. É “remunerado pela paixão”, como gosta de dizer. Não é verdade: Gropen, você é remunerado pelo amor. Paixão, você sabe, é coisa que passa.

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