Fred Melo Paiva

DA ARQUIBANCADA

Eis que chega a roda-viva e carrega a saudade pra lá

E a gente abduzido pelo amor, a generosidade e a solidariedade do nosso vizinho, invejando quem sabe a humanidade que a gente perdeu

postado em 03/12/2016 12:00

AFP / STR / RAUL ARBOLEDA

Passo os olhos na minha última coluna e me vejo citando os mortos desse tenebroso 2016 – Muhammad Ali, Cauby, Leonard Cohen, Cruyff, o Capita. Em uma semana, em apenas uma semana, parece que vivemos um ano inteiro: nossos cabelos embranqueceram, nossos ombros se curvaram sob o peso dos acontecimentos. Morremos todos um pouquinho. Morreu Fidel, libertador e democrata, ditador e facínora – seja como for, um símbolo do que fomos em nossa passagem por esse mundão. Morreram os 71 do voo da Chape. Nós morremos com eles.

A vida, porém, é essa roda-viva – tem dias que a gente se sente como quem partiu ou morreu. E quem morreu com a Chape renasceu com os 40 mil colombianos no Atanasio Girardot e as outras dezenas de milhares que não conseguiram ingressar no estádio e lotaram seu entorno num abraço de amor e fé, faca amolada no ceticismo da gente.

Não há Libertadores’2013, não há nada que eu tenha visto na história do futebol que se equipare àquela gente maravilhosa, generosa e solidária, exaltando a Chape campeã. O Brasil, cheio de ódio e desesperança, não entendeu como foram capazes de tamanha grandeza, porque com este artigo raro não mais trabalhamos aqui deste lado da floresta.

É, grande Chico, o Raul é que tava certo, o prato mais caro do melhor banquete é o que se come cabeça de gente que pensa – e os canibais de cabeça descobrem aqueles que pensam.

É, meu caro amigo, faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há. Mas eis que chega a roda-viva e carrega a roseira pra lá.

Enquanto os colombianos ensinavam pra gente uma preciosa lição da qual havíamos nos esquecido, os canalhas faziam a festa em Brasília, na calada do luto e da tragédia. Uma maioria de corruptos votando medidas “anticorrupção”. Milionários velhacos, quase todos velhos e brancos, impondo principalmente aos jovens pretos e pobres uma educação e uma saúde ainda pior do que essas que lhe são ofertadas e que constituem, na prática, a senzala da qual nunca puderam sair.

Gângsteres votando o nosso futuro e bebendo champanhe enquanto pobres e pretos da PM bombardeavam e espancavam outros pobres e outros pretos. E a gente abduzido pelo amor, a generosidade e a solidariedade do nosso vizinho, invejando quem sabe a humanidade que a gente perdeu.

Nos comunicados dos clubes em favor do socorro à Chape, nas camisas verdes, no belíssimo encerramento do Jornal Nacional, houve uma estranha nostalgia de união – a saudade de um país que se foi, esfacelado pela hipocrisia, o egoísmo e a ignorância. Mas, Chico, foi tudo ilusão passageira que a brisa primeira levou. No peito a saudade cativa faz força pro tempo parar. Mas eis que chega a roda-viva e carrega a saudade pra lá.

Eis que chega o diretor do Inter queixando-se do adiamento da rodada, porque afinal seu time também vive uma “tragédia particular”. Eis que os jogadores de seu clube, que já manifestou desejo de ir ao tapetão contra o rebaixamento, declaram não querer jogar. Supostamente em respeito ao luto, mas suspeitamente em favor de melar o campeonato e se safar. Eis que a CBF quer que Atlético e Chapecoense entrem em campo para o derradeiro compromisso porque seu presidente, o inviajável Marco Polo, planeja para o jogo “uma grande festa”.

Outro dia, nossa jurista e cover do Iron Maiden Janaína Paschoal denunciou em seu Twitter os planos de Putin para a invasão russa ao Brasil. Não poderia ser a Colômbia?

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