Fred Melo Paiva

DA ARQUIBANCADA

Cada jogo, o último da vida

O desalento é pior do que a raiva. A raiva compreende a luta, o tapa na mesa, o soco na cara. O desalento é morrer de véspera, entregar os pontos. Para o Sport, a Ponte, o Vitória...

postado em 24/06/2017 12:00

Paulo Filgueiras/EM/D.A Press
Quando terminou o jogo na quarta-feira, caminhei de volta pra casa pelas areias do vilarejo onde resido como se tivesse uma bola de ferro amarrada no pé. Atravessei o longo campo de futebol como se cruzasse o Saara depois de dar cabo da última Coca-Cola. Não senti raiva, apenas o desalento. O Brasil não presta, Deus não existe, e o Galo, dessa vez, não vai nos salvar.

Passei a noite conjecturando comigo mesmo e com minha consorte (com azar, no caso) sobre o absurdo que é vincular a vida real aos devaneios de um jogo. Tentei explicar pra ela que não havia mais jeito, que estávamos perdidos, e que quando amanhecesse o dia 8 milhões de pessoas estariam em litígio com seus empregos e casamentos, que possivelmente a vida não fazia mais sentido, e que nós mesmos deveríamos dar a ela um novo rumo. Talvez vender nossa casa, mudar pra Portugal. Ela me olhou com os olhos de quem acaba de compreender, depois de longos anos, onde afinal amarrara a sua égua.

O desalento é pior do que a raiva. A raiva compreende a luta, o tapa na mesa, o soco na cara. O desalento é morrer de véspera, entregar os pontos. Para o Sport, a Ponte, o Vitória... A raiva é a exclamação! O desalento é a reticência... Se você tem raiva, você vira o jogo, pega o pênalti aos 48 do segundo tempo numa quartas de final de Libertadores. Se tem desalento, cai como um Internacional.

Nossa cultura nos obriga a achar o culpado, a personalizar o fracasso, para assim direcionar nosso ódio. Por isso os nazistas precisaram dos judeus. Os Estados Unidos, dos comunistas. Terroristas muçulmanos necessitam do ocidente livre. Assim como, guardadas as óbvias proporções, muitos brasileiros só bateram panela contra um partido. Quando a corrupção se mostrou disseminada e o inimigo se provou vários além do sapo barbudo, as panelas silenciaram e a raiva deu lugar ao profundo desalento.

Quem é o culpado pela atual situação do Atlético? O presidente? Mas até outro dia ele não tinha acertado nas contratações e dispensas? Não vem pagando os salários em dia? O culpado é o Roger (foto)? Mesmo tendo feito a melhor campanha da Libertadores? Mesmo sem tempo pra treinar e com tantos jogadores machucados? A culpa então é do calendário? Mas e Corinthians e Grêmio, que jogaram tanto quanto nós? A culpa é do médico e do preparador físico? Mas eles não são os melhores do Brasil?

Carioca? Não parece razoável que um jogador apenas faça tamanha diferença. Nem Messi. Felipe Santana? Fraco, além de um azarado crônico. Mas sabia que ele é o campeão em desarmes no Brasileirão? Os jogadores estão desunidos, querem derrubar o treinador? Não, é um grupo de excelentes profissionais, que respeita e abraça o treinador, ao contrário do que aconteceu em relação aos últimos que por lá passaram.

A reticência que vem do desalento encontra abrigo numa grande interrogação: de quem é a culpa? Sem a resposta, vagamos na areia do Saara depois da derradeira Coca-Cola. A luta deveria prescindir da raiva. A luta deveria se travar por amor à causa do nosso Galo, porque os próximos dias decidirão a nossa sorte na Copa do Brasil e na Libertadores.

Desde a saída do Levir eu não me emocionava tanto com a entrevista de um boleiro como me emocionei com a fala de Luan numa coletiva esta semana na Cidade do Galo. Se você não viu, corra pra ver. Obrigado, Luan, por nos lembrar quem somos. Eu também quero disputar a bola de cabeça com o homem mais alto do mundo. Eu também quero dar porrada nos caras da Chapecoense. Eu também amo o Galo. E por ele eu também quero fazer de cada jogo o último da vida.

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