TIRO LIVRE

Um cara legal

Discordo de sua demissão - e não por te considerar um cara legal. É frustrante ver que bons trabalhos e títulos conquistados não garantem continuidade no Brasil

postado em 27/11/2015 12:00 / atualizado em 27/11/2015 08:34

Beto Novaes/EM/D.A Press
Esta é a história de um treinador que, em sua despedida, só queria que as pessoas olhassem para ele e dissessem: “Este é um cara legal”. Ele não pediu elogios. Nem rogou por reconhecimento pelos bons serviços prestados. Muito menos conclamou os admiradores de seu trabalho a defendê-lo de quem o critica. Levir (foto) simplesmente queria ter a certeza de que, ao ir embora, deixaria boas lembranças. Sim, Levir, você é um cara legal. Não porque usa frases de efeito ou porque alimenta o noticiário esportivo com entrevistas saborosas. Na avaliação da cronista aqui, nada disso seria mesmo suficiente para qualificá-lo como um cara legal. Você é legal porque é legal, e não porque tenta ser legal, como muito boleiro/cartola/técnico por aí. Além disso, é autêntico (às vezes, até demais), não faz joguinho de interesse. Não se preocupa em agradar A ou B nem fica de brincadeirinha com jornalista apenas para atrair resenhas favoráveis. E é essa transparência que faz de você um cara legal.

Mas, como toda moeda tem dois lados, essa mesma espontaneidade o levou até o ponto final no Atlético. Talvez se, lá atrás, você tivesse dito que preferia que a diretoria buscasse reforços em vez de garantir os pagamentos em dia dos salários, muitos não teriam pedido a sua cabeça – e aqui cabe ressaltar que sou da turma que também acha que o pagamento em dia de salários é mais importante (ou, no mínimo, mais justo e digno) que a chegada de reforços.

Talvez (e aqui é apenas um talvez) se você tivesse poupado de ironias algumas declarações pós-derrotas; se tivesse reagido com indignação aos revezes que tiraram o Galo do páreo na briga pelo título brasileiro; se tivesse retomado as concentrações para os jogos em BH; se tivesse cassado as folgas prolongadas dos jogadores depois dos resultados negativos, se tivesse... Bem, aí não seria você. Não seria genuíno. Muito menos seria garantia de que o Atlético fecharia o ano campeão brasileiro, embora muita gente pense o contrário.

Você é um cara legal sim, Levir, o que não o isenta dos erros. As falhas de marcação no jogo aéreo continuam, e aqui cabe uma inconfidência: em 2002, como setorista do Atlético para o Estado de Minas, não foram poucas as vezes em que me dirigi a você para perguntar sobre isso. Você já olhava para mim sorrindo e dizia: “Mas você vai me perguntar de novo sobre jogo aéreo? É uma jogada que não tem marcação”. Como nunca me conformei com a resposta, insistia na pergunta. E sempre ouvia a mesma afirmação. Pois é, 13 anos depois, Levir, ainda te questiono: “Por que seus times levam tanto gol em jogo aéreo?”.

Discordo de sua demissão – e não por te considerar um cara legal. É frustrante ver que bons trabalhos não garantem continuidade no Brasil. Mais: que títulos de expressão não asseguram um trabalho a longo prazo. Se você foi punido por ter sido vice-campeão, há algo errado por aqui. A não ser que haja algum problema interno, alguma justificativa mais plausível que resultou na sua saída e que tenha sido abafada. O que não seria novidade, já que essa transparência que você carrega não é tão comum assim no futebol.

Pode ir sossegado, Levir, porque até muitos dos torcedores que pediam sua saída se sensibilizaram ontem com suas palavras, com suas lágrimas. Não que você tenha virado santo. E nenhum de nós, reles mortais, o é. Mas a imagem que ficará é a do treinador que deu ao atleticano aquela que estará para sempre marcada como uma de suas maiores alegrias: a conquista da Copa do Brasil, título cobiçado há tanto tempo. A ira se transformou em gratidão.

Quem não pode ficar sossegado, agora, é seu substituto. Ele chegará sob a pressão de suceder dois dos treinadores mais vitoriosos da história atleticana, que deram ao clube alguns dos títulos de maior peso de seus 107 anos. Quem vier terá de fazer o mesmo tanto, ou mais, do que Cuca (campeão da Libertadores e bi do Mineiro) e Levir (além da Copa do Brasil, faturou a Recopa Sul-Americana e o Estadual). O grau de exigência da torcida aumentou e, na mesma proporção, a impaciência. Ser segundo colocado já não basta. Boa sorte a quem aceitar a missão!

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