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Megaeventos esportivos são um bom negócio para construtoras e investidores. E só para eles

Em seu livro Circus Maximus, economista Andrew Zimbalist critica empreendimentos

postado em 05/04/2015 08:00 / atualizado em 02/04/2015 15:51

Emanuel Leite Jr. /Especial para o Diario

Paulo Paiva/DP/D. A Press
Quando a armada de Pedro Álvares Cabral chegou ao litoral do Brasil em 1500, o seu escrivão, Pero Vaz de Caminha, utilizou uma frase marcante para descrever, ao rei dom Manuel, as terras recém-descobertas: “Em se plantando, tudo dá.” Passados pouco mais de cinco séculos, o Brasil viveu outro momento de fantasia. Desta feita, a ilusão não foi de plantações que iriam prosperar “quase que infinitas”, citando novamente o escrivão português. Mas uma ilusão de construções de grandes e modernas instalações esportivas, que estão deixando um saldo negativo nas contas do país. Como é o caso da Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata.

O estádio é um dos maiores expoentes do equívoco alimentado pela Copa do Mundo. O pensamento do “se você construir, ele virá”. Uma noção originária dos Estados Unidos, fundamentada numa premissa simples: a ideia de que megaconstruções de estádios milionários (e alguns bilionários) atraem o desenvolvimento. Uma ideia que, contudo, não se coaduna com a realidade, quando confrontada com os fatos.

A renda e o faturamento gerados, em regra, estão muito abaixo dos valores despendidos para se organizar os jogos. É o que conclui o livro Circus Maximus, do economista norte-americano Andrew Zimbalist, professor de economia na Smith College e especialista em finanças do esporte. E essa é só uma face do problema.

Em seu mais recente livro, Zimbalist afirma que os megaeventos esportivos beneficiam apenas a Fifa e o Comitê Olímpico Internacional (que são os reais donos das festas) e uma pequena parcela privilegiada da economia local, formada, em especial pelas construtoras e pelos bancos (que faturam com os juros dos empréstimos). “São feitas grandes promessas de benefícios econômicos. Os organizadores - e seus consultores - fazem crer que sediar esses eventos é um dos melhores meios de desenvolvimento desde a máquina a vapor”, escreve.
Não por acaso, parte do custo que o Governo de Pernambuco vai ter com a Arena de São Lourenço da Mata é a previsão contratual de assegurar à concessionária um faturamento anual mínimo. Valor que foi calculado em projeções elaboradas pela Odebrecht, empresa contratada para fazer os estudos de viabilidade de uma nova arena no estado e que, posteriormente, ganhou o direito de construir e gerir o estádio por 33 anos.

“As projeções são impressionantes. Elas sempre superestimam os rendimentos. E nunca levam em conta os juros, por exemplo”, disse Zimbalist, em entrevista ao Superesportes.

R$ 743 milhões
Em 23 de março, o vice-governador de Pernambuco, Raul Henry, desvendou o véu que encobria os valores do custo da construção da Arena Pernambuco: R$ 743 milhões. A revelação aconteceu dois dias depois de membros do comitê executivo da Fifa afirmarem, impiedosamente, que a ausência de público e a falta de rentabilidade e viabilidade de muitos dos modernos estádios construídos para a Copa do Mundo 2014 era “um problema do Brasil”. Problema que o pernambucano também tem sentido na pele e no bolso, uma vez que, além da construção da praça esportiva em São Lourenço da Mata, o contribuinte do estado também vai pagar - por 30 anos - pelo faturamento da empresa que administra o estádio e que em dois anos acumula um rombo de R$ 54,1 milhões de prejuízo operacional.

Reprodução
Esnobando as olimpíadas

Do seu escritório em Boston, o economista norte-americano Andrew Zimbalist conversou com a reportagem do Superesportes, por telefone. O pesquisador falou que várias cidades de países desenvolvidos estão rejeitando os Jogos Olímpicos e a explicação é simples: “Pessoas estão mandando a mensagem que a esse preço elas não querem mais. Não vale a pena”, afirma. Ninguém quer ser uma nova Montreal, que passou 30 anos pagando pela Olimpíada de 1976, como Zimbalist mostra em seu novo livro.

Os exemplos são muitos. Eleitores de Davos (Suíça), Estocolmo (Suécia) e Munique (Alemanha) disseram “não” às Olimpíadas de inverno de 2022 através de plebiscitos. “Oslo, na Noruega, não chegou a ter plebiscito. O próprio governo local rejeitou a ideia de um projeto tão custoso aos cofres públicos”, conta. “Aqui em Boston temos tido discussões públicas acerca da candidatura para os Jogos Olímpicos de 2024. Em três meses, o apoio caiu de 51% para 36%. Deve haver um plebiscito na cidade e a expectativa é de que a população rejeite o projeto”, revelou.

Ouvir a opinião pública e respeitar suas decisões é reflexo do amadurecimento democrático. E não é fortuito o fato de os próximos megaeventos acontecerem em países onde a democracia é frágil (ou até mesmo inexistente), como as Copas do Mundo de 2018 (Rússia) e 2022 (Catar) ou os únicos candidatos aos Jogos Olímpicos de inverno de 2022 serem Cazaquistão e China. “Em países autoritários, como Cazaquistão e China, há um controle mais rígido sobre a população e não se preocupam com a possibilidade de as pessoas irem às ruas protestar. Por conta deste controle sobre a sociedade, os líderes podem fazer aquilo que quiser”, conclui.