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Pioneiro no judô no Brasil, Chiaki Ishii completa cinco décadas de legado

postado em 02/05/2014 11:38

Lorrane Melo /Correio Braziliense

Arquivo O Cruzeiro/EM/D.A Press
Foram 60 dias de viagem em um navio cruzando o Pacífico. Em meio a outros 300 japoneses que vinham tentar uma nova vida no Brasil — único país a receber imigrantes —, Chiaki Ishii, então com 22 anos, viu na terra “boa para criar gado” a oportunidade única de virar caubói, como nos filmes de John Wayne. Desembarcou por aqui depois de uma desilusão: neto de um discípulo de Jigoro Kano, fundador do judô em 1886, Ishii perdeu a disputa por vaga nas Olimpíadas de Tóquio para Isao Okano, que subiria ao lugar mais alto do pódio na categoria dos médios. Resolveu então fugir para o Brasil, onde aportou em 2 de maio de 1964 com um português precário, aprendido no navio como moeda de troca por aulas de judô.

A língua continua enrolada, com sotaque carregado, e a fala, quase monossilábica. Hoje com 72 anos, o sensei faixa vermelha (reservada a grandes mestres) alcançou o objetivo da medalha olímpica em 1972 — cinco anos depois de se naturalizar brasileiro —, nos Jogos de Munique, marcados pelo atentado terrorista que deixou 18 mortos. Com o bronze, ele se tornou o primeiro medalhista da modalidade no Brasil.

Dono de uma academia em São Paulo, Ishii aproveita os fins de semana para ir com a mulher, Keiko, ao sítio em Ibiúna, a 70km da capital paulista, onde já criou animais, mas, hoje, se dedica ao cultivo de flores, verduras e lembranças. As recordações fazem parte de um livro lançado no último mês com o título O pioneiro do judô, disponível apenas em japonês. As filhas Tânia e Vânia, orgulhosas, fazem questão de divulgar a obra. Afinal, foi com o pai que as duas, e uma porção de brasileiros, aprenderam — sob uma doutrina difícil, onde a frieza é uma das principais credenciais de um campeão — o que é o judô de verdade.

Que o diga Vânia, representante do Brasil nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000, e nos de Atenas, em 2004. Depois de ganhar o ouro nos Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, ela chorou e pulou de alegria, deixando o pai encabulado. “Foi a minha mãe quem nos colocou no judô depois de uma professora dizer que precisávamos ter mais comunicação em casa”, lembra. Atualmente dona de um restaurante self-service com o marido, em Bragança Paulista, ela tenta manter os ensinamentos do pai em dia, mas sabe que não pode viver apenas da cultura oriental, como ele. “Se eu for muito radical, não ganho dinheiro”, brinca. O judô fica restrito às brincadeiras, e cabe a Tânia, a mais velha das três filhas de Ishii, a tarefa de dar continuidade ao clã na modalidade.

(Facebook/Reprodução)
Nova geração
Técnica de uma escola nos Estados Unidos, Tânia optou por adotar o sobrenome do marido, Mark Swain, que não precisou de muito para conquistar o sogro. “Quando o nosso relacionamento começou a ficar mais sério, meu pai disse: ‘Ele ganhou a medalha de ouro que eu não consegui no Mundial. Ele deve ser alguém muito especial para conseguir esse título e por isso ganha o meu respeito e a minha admiração’”, conta. O casal se conheceu no Campeonato Pan-Americano de Judô em 1986. Agora, prepara a filha, Sophia — essa, sim, Ishii — para os Jogos Olímpicos de 2016.

Campeã pan-americana sub-21 na categoria meio-pesado, a mesma de Mayra Aguiar, Sophia estuda na San Jose State University, onde o pai é técnico. A faculdade foi a que mais formou medalhistas olímpicos nos EUA. A jovem, porém, ainda não tem o apoio do avô. Ishii diz não saber muito da neta, que deve desembarcar no Brasil no ano que vem para aprender um pouco mais com ele. “Infelizmente, o judô não é um esporte muito popular aqui nos EUA. Quero mandá-la para treinar com o meu pai. A Sophia é muito disciplinada e raçuda”, explica Tânia, em coro com Vânia, uma tia coruja e sem filhos. “A Sophia é muito madura e tem toda a noção de que é neta e filha de campeões.”

Tânia e Vânia têm como principal lembrança a “medalha olímpica emoldurada no escritório” do pai. Elas querem que Sophia a veja para ter a mesma garra que elas sempre tiveram, segundo Ishii. “Para ganhar medalha, judoca tem de ter fome. E japonês não tem fome, é tudo rico”, simplifica o sensei.