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CORRIDA DE RUA

Depoimentos apontam a reviravolta que deram na vida após aderir à corrida

Moradores do DF explicam como a necessidade de enfrentar problemas de saúde os fez calçar os tênis e adotar exercícios físicos na rotina

postado em 16/09/2014 15:24 / atualizado em 16/09/2014 15:54

Redação /Correio Braziliense

A corrida é um dos esportes mais acessíveis. Sem necessidade de pagar mensalidades ou equipamentos caros, pode ser praticada nas ruas da vizinhança e nos parques. Basta um par de tênis e disposição para ganhar a estrada. Como a atividade oferece um leque amplo de benefícios possíveis, pessoas diferentes encontram motivações distintas para começar as caminhadas.

O Correio ouviu as histórias de quatro moradores do Distrito Federal sobre as razões que cada um deles teve para começar a correr, incluindo os resultados obtidos. Além disso, consultamos especialistas para explicar se a corrida tem todo o efeito que os atletas esperam ou se criaram falsas expectativas.

Antonio Cunha/CB/D.A Press
Para eliminar dores

As dores no quadril começaram a atormentar Gilceia Dettmann na infância. Na vida adulta, tornaram-se insuportáveis. A dona de casa não encontrava posição confortável para dormir. Tarefas como carregar um balde d’água representavam desafios diários. No salão de beleza, ela precisava se sentar no chão enquanto cuidava das unhas e era cada vez mais difícil se levantar de lá. Somente com a prática regular de exercícios físicos, a capixaba de 41 anos conseguiu reduzir o incômodo. Hoje, corre nas ruas e tem mais qualidade de vida, seis anois depois de abandonar o sedentarismo.

No auge do problema, Gilceia não encontrava paz nem na cama. Caso se deitasse em uma posição, não tinha forças para se virar. O marido provocava: “Você está velha, deve ser reumatismo”. Ela passou a frequentar uma academia na esperança de ter algum alívio, mas as dores só aumentaram.
Por indicação de um amigo, professor de educação física, Gilceia procurou ajuda profissional e descobriu sofrer de tendinite de quadril. Fez fisioterapia, acunpuntura e, convencida pelo amigo, começou a caminhar. “O médico disse que estava proibido correr, deveria ser apenas uma atividade leve para fortalecer os músculos”, conta a dona de casa.

Na primeira caminhada no Parque da Cidade, Gilceia se sentiu no limite após andar por oito minutos e parou. Na segunda tentativa, teve algum tempo a mais de fôlego. Com o tempo, tomou gosto pela atividade. Hoje, corre, nada e anda de bicicleta, tudo o que o médico havia proibido um ano antes.
Agora, a dona de casa planeja alcançar uma nova meta: percorrer 10km pelas ruas de Taguatinga. “A corrida de rua começou com um primeiro passo que mudou minha vida”, define a capixaba. Até hoje, após correr os 5km que cumpre três vezes por semana, Gilceia diz sentir uma ponta de orgulho de atleta olímpico.

Risco de piorar
O problema no quadril de Gilceia Dettmann poderia se agravar quando ela procurou a academia sem consultar um médico. “As dores que sentiu foi por levantar muito peso sem ter o reforço muscular para isso. O ideal é começar com atividades mais leves e fazer fisioterapia, a fim de não agravar o problema já existente”, explica Thiago Barros, professor de educação física.


Antonio Cunha/CB/D.A Press
Para controlar o diabetes

A moradora do Guará Maria Auxiliadora Teixeira passou 30 anos como professora do Ensino Fundamental. O magistério a deixava sem tempo para cuidar do corpo, e o sedentarismo a fazia temer dois fantasmas: a hipertensão e o diabetes. Seu histórico familiar acumulava dezenas de casos dos dois males. Por isso, ela sempre ouviu dos médicos que a temida dupla provavelmente estaria no destino dela. Hoje, aos 69 anos, a aposentada usufrui das vantagens de ter abandonado o sedentarismo para ter mais saúde e qualidade de vida.

Na primeira semana de aposentadoria, Maria procurou uma academia de ginástica, mas a prática não durou 15 dias. “Era muita grito, música alta, não era próprio da minha personalidade”, conta. Decidida a encontrar algo mais calmo, ela viu na caminhada a atividade perfeita. No começo, andava um pouco só, e o corpo reclamava .Gradativamente, as distâncias aumentaram, sem pausa para descanso.

A maior vitória que ela atribui às caminhadas é ter a saúde em dia à beira dos 70 anos. A aposentada não evitou a diabetes e a hipertensão por questões genéticas, mas toma apenas três remédios por dia. O marido, com problemas parecidos, ingere 15 pílulas no mesmo período. Quando ele insiste em assistir à tevê, Maria veste a roupa de corrida, passa sorrindo pelo companheiro e o convida: “Vamos correr comigo, que depois eu não vou carregar ninguém na cadeira de rodas”.

Atualmente, a aposentada corre 8km todos os dias e vê benefícios na prática além da saúde. É a hora em que sai para fazer compras, ver gente na rua, passear. “A pior coisa é idoso mofando em casa”, afirma. Além disso, o exercício ajuda Maria a cumprir a promessa feita nos tempos em que levava a mãe a grupos da terceira idade. “Ela voltava falando que tal amiga descobriu um remédio melhor, o assunto era só esse. Jurei que não ficaria assim”, conta.

Efeitos benéficos
Por ser diabética, a professora aposentada Maria Auxiliadora Teixeira está cheia de razão ao manter uma rotina de exercícios, concordam os médicos. “Exercícios aeróbicos são importantes no controle do diabetes, pois melhoram a captação da glicose pelos músculos, ajudam na circulação sanguínea e reduzem as doses dos medicamentos utilizados. Além de ajudar a manter o controle da doença no longo prazo”, explica o endocrinologista Walter Sousa.

Para perder peso
O empresário Gláucio Barros, 45 anos, lembra-se com orgulho da boa forma que tinha aos 20. Foi só ele começar a trabalhar em casa e ficar 12 horas diárias à frente do computador que as coisas mudaram. De acordo com as contas dele, o corpo ganhou 35kg em três anos. Gláucio até tentou se adaptar, comprou esteira e bicicleta ergométrica, que acabaram como objeto de decoração na sala. “A auto-estima foi lá embaixo, meus exames acusavam que a sáude não duraria muito, precisava mudar”, detalha o morador do Sudoeste.

Neste ano, com ajuda médica, o empresário convenceu-se de que precisava passar mais tempo longe do computador. Sem paciência para a academia, passou a correr pela vizinhança. Na estreia, não conseguiu dar a voltar na própria quadra. No segundo dia, por muito pouco não desistiu de calçar o tênis. “Mas aqueles exames ficavam olhando para mim, me atormentavam. Eu precisava perder peso de qualquer maneira”, observa.

Hoje, Gláucio está muito bem. Corre 10km três vezes por semana e já fez provas de 40km. Em oito meses, perdeu 30kg. Virou corredor militante, capaz de passar horas falando dos benefícios da modalidade, que mudou toda a sua rotina. O empresário dorme melhor e até trocou o refrigerante pelo suco de laranja nas madrugadas que enfrenta à frente do computador. Na semana passada, quando a fome bateu, abriu a internet e pesquisou: “Como fazer uma salada gostosa.”

Boa dieta é fundamental
Começar a correr foi importante por tirar Gláucio Barros do sedentarismo. Na avaliação de especialistas, porém, a atitude indispensável para alguém perder peso é uma boa dieta. “A corrida ou qualquer outro exercício condiciona, não emagrece. Não adianta correr uma maratona, fazer treinos por horas se, depois, a pessoa fica em jejum ou não faz a alimentação correta”, esclarece Lázaro Barroso, professor de educação física.

Para se recuperar de um câncer
Jorge Viana tinha 45 anos, mas o corpo aparentava alguns a mais. Passou a questionar a própria forma física quando refletiu sobre a saúde impecável de um colega de trabalho sexagenário. “Quero ser igual a ele”, pensou Jorge. Quando perguntou ao amigo qual era o segredo, recebeu o convite: “Eu corro todos os dias, vamos comigo?”. O morador de Taguatinga aceitou o desafio e começou na manhã seguinte, dando início a uma prática que completa 12 anos.

Presença certa nas ruas de Taguatinga Centro, Jorge fez da corrida um vício. Tem anotado todos os treinos realizados até hoje, além das 182 provas de rua de que participou. Em abril de 2012, aos 54 anos, ele ficou seis meses longe da corrida após descobrir um câncer de próstata. Fez cirurgia, 37 sessões de radioterapia e tratamento de reposição de testosterona. Mesmo sem poder correr, não ficou longe do esporte. Durante a recuperação, arranjava um jeito de ir a competições. “Eu só mentalizava que daria certo. Olhava o povo correndo e que daqui a pouco eu estaria lá de novo”, conta Jorge.

O tratamento foi bem-sucedido. Sete meses depois de descobrir a doença, Jorge voltou às pistas, mas ainda estava frágil. Mesmo com autorização dos médicos, não conseguia andar por mais de cinco minutos sem que o cansaço tomasse conta dele. Após acordar de madrugada por semanas a fio para treinar, a forma antiga voltou. “A corrida foi um dos pilares da minha recuperação, ajudou na minha autoestima e me deu confiança para vencer o câncer”, defende.