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ESPECIAL: MÁ GESTÃO DAS CONFEDERAÇÕES

Presidentes envolvidos em escândalos de má gestão de dinheiro público não deixam cargos

Alteração de 2015 da Lei Pelé prevê o afastamento preventivo e imediato dos dirigentes em virtude de gestão irregular ou temerária da entidade

postado em 27/06/2016 18:02 / atualizado em 03/07/2016 20:52

Maíra Nunes

 Wander Roberto/COB
Antes de desistir do sonho dos Jogos do Rio-2016, a esgrimista Élora Pattaro desabafou na internet contra a falta de incentivo e transparência da Confederação Brasileira de Esgrima (CBE). Intitulado “Vergonha de competir pelo Brasil”, o vídeo postado por ela há mais de um ano escancarou um problema que não se limita à modalidade. Agora, foi a vez de a Associação Brasileira dos Esgrimistas encaminhar ao Tribunal de Contas da União (TCU) dossiê com indícios de má gestão na entidade. Mesmo que a denúncia — que foi aceita como processo e ainda terá de ser investigada — se comprove, histórico mostra que os responsabilizados por uso indevido de dinheiro público não são afastados dos cargos.

O documento de 238 páginas entregue pela associação ao TCU, ao qual o Correio teve acesso, apresenta indícios de irregularidades cometidas pela CBE em 2013 no manuseio de R$ 373 mil provenientes de recursos públicos. As suspeitas são de que a entidade mantenha duas sedes — a principal no Rio e uma outra em Brasília, com pouco uso —; de que utilize centro de treinamento fantasma para tentar driblar limite de 20% em gastos administrativos, como manda a Lei Agnelo-Piva; e que tenha emitido nota para um estágio de treinamento no Recife
que não teria ocorrido.

A quantia apontada no relatório seria suficiente para organizar sete torneios nacionais nos moldes atuais: em que clubes cedem os locais de disputa ou cobram preços simbólicos sobre o aluguel. Nos últimos dois anos, porém, o calendário teve um torneio a menos do que nas temporadas anteriores: quatro. As dificuldades financeiras da CBE se refletem também na diminuição do envio de atletas para competir fora do país. Ao menos, essa é a justificativa da entidade.

Assim como na esgrima, as confederações que regem as demais modalidades no Brasil são privadas. A maior parte da verba que administram, porém, é proveniente de programas do governo, principalmente do Ministério do Esporte. Por isso, caso haja denúncia de irregularidades no uso de recursos públicos, é possível encaminhá-la ao TCU, à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Ministério Público ou à Polícia Federal.

Caso comprovem irregularidades, eles se limitam à possibilidade de cobrar a devolução do valor corrigido e aplicar multa aos responsáveis. Estes, porém, dificilmente são enquadrados em processos criminais. E, mesmo que auditorias comprovem o uso indevido de dinheiro público, os cargos deles na presidentes das entidades esportivas raramente são afetados.

Em dezembro de 2015, a CGU apontou 37 irregularidades na Confederação Brasileira de Basquete (CBB), que podem envolver fraudes de R$ 1,04 milhão. As faturas do cartão de crédito corporativo do presidente da entidade, Carlos Nunes, apresentavam gastos com restaurantes estrangeiros famosos, vinhos e até roupas em butiques europeias.

Os escândalos fizeram com que a patrocinadora Eletrobras, além de reivindicar a devolução de R$ 4 milhões, retirasse o apoio. Carlos Nunes, porém, segue na presidência. Isso com um agravante: quatro meses antes de a CGU confirmar a irregularidade, uma alteração na Lei Pelé determinou a obrigação de “afastamento preventivo e imediato dos dirigentes, eleitos ou nomeados, em virtude de gestão patrimonial ou financeira irregular ou temerária da entidade”.
 
O afastamento, segundo a lei, também inclui aqueles que forem considerados “inadimplentes na prestação de contas de recursos públicos em decisão administrativa definitiva ou mesmo inadimplentes na prestação de contas da própria entidade”. A legislação ainda tornou obrigatório que as entidades prevejam nos estatutos que dirigentes nessas situações se tornem inelegíveis por 10 anos.

À época, em nota, a CBB negou as acusações: “Não houve nenhum gasto de recursos públicos com despesas pessoais ou indevidas da presidência, visto que, no curso do contrato em que aquelas citadas despesas ocorreram, a CBB entregou, periodicamente, toda a documentação de movimentação para a Eletrobras, que fez as devidas análises”, diz o comunicado.

Diretoria da esgrima se defende

Ed Alves/CB/D.A


O presidente da Confederação Brasileira de Esgrima (CBE), Gerli dos Santos, explicou que o centro de treinamento supostamente sem utilização é fruto de um convênio com uma instituição federal. Segundo o dirigente, o espaço também é usado pela federação carioca, por militares e, a partir do próximo Grand Prix, pela CBE, em parceria com outras federações internacionais da modalidade.

Sobre a confederação manter duas sedes, a principal no Rio de Janeiro e um escritório em Brasília, cidade onde o presidente reside, Gerli dos Santos questiona se os mandatários eleitos teriam de morar obrigatoriamente na capital carioca. “O fato de o presidente atual morar em Brasília e possuir uma sala para as ações relativas à CBE nos parece mais que justo, dado o valor de manutenção em detrimento de termos de demitir todos os funcionários residentes no Rio de Janeiro, objetivando realizar uma reestruturação no local de residência do presi-
dente”, justificou.

“Em relação à representação aoTCU e demais órgão de controle, estamos prontos para todos os esclarecimentos que se fizerem necessários para, depois, evidentemente, buscarmos as devidas reparações que se fizerem necessárias”, disse Gerli dos Santos. Ele completou: “Mesmo à frente da CBE, continuo trabalhando como todo brasileiro, além de conduzir a confederação de forma honesta e transparente”.