Jogador de rúgbi em cadeira de rodas, Luis Fernando Cavalli vivenciou seis anos de uma rotina intensa com a Seleção Brasileira. Acostumado a lidar com disciplina rígida de treinos, alimentação e cobranças, ele decidiu, aos 40 anos, experimentar algo que nunca tinha feito: ser voluntário de um evento esportivo. A oportunidade foi nos Jogos Parapan-Americanos de Jovens, em São Paulo. “É algo bastante novo. Não é porque você vai a um restaurante que sabe como funciona o serviço da cozinha, do garçom. Tenho a visão das competições como atleta. Pela primeira vez, estou vendo o lado do voluntário”, observa.
A mesma sensação está vivendo Mariane Ferreira, ciclista olímpica por oito anos e, desde 2014, pilota da ciclista paralímpica Márcia Ribeiro, da classe Tandem. Acostumada a estar acompanha de uma bicicleta nas muitas competições que disputa, Mariane, desta vez, passa mais tempo sentada para coordenar o trabalho com os voluntários. “Está sendo uma experiência boa e, ao mesmo tempo, diferente. Agora, exerço uma função administrativa, tenho de saber sobre todas as modalidades e supri-las”, explica.
Os dois são profissionais de educação física e fazem mestrado em esporte adaptado. No caso de Mariane, o convite veio por meio do orientador dela, José Júlio Gavião, que está coordenando o serviço voluntário do evento realizado em São Paulo, de 20 a 25 de março. “O clima está sendo bem familiar para mim. Só essa outra visão, mais administrativa, que está sendo a parte mais diferente”, diz Mariane.
Já para Luis Fernando, a pressão é o fator que mais diferencia as duas experiências. “Aqui, como voluntário, tenho horários a cumprir, as missões, mas não tenho uma disciplina tão rígida e necessária quanto a do atleta no dia-a-dia”, observa. Ainda que o clima seja mais descontraído, o coração do jogador bate mais forte pelo espírito competitivo. “Confesso que eu prefiro ser atleta, a vibração é mais gostosa. Mas isso é muito individual, talvez seja até porque eu esteja mais acostumado com isso. Ser voluntário também é bem legal”, assume Luis Fernando.
Horas de folga
Nas horas de folga, os voluntários aproveitam para virarem torcedor. No Parapan de Jovens, eles são facilmente identificados pela camisa verde e, normalmente, pela simpatia. Quando a empolgação está alta nas arquibancadas, provavelmente há um grupo de voluntários envolvido na torcida. Com o Brasil em quadra, alguns puxam gritos de guerra e inventam até coreografia. Vale até puxar grito de outros países, como o tradicional “chi, chi, chi, lê, lê, lê” quando os adversários pedem.Com os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio-2016, os brasileiros passaram a ter uma familiaridade maior com o trabalho voluntário em competições esportivas. “Ainda não é como na Europa, nos Estados Unidos, mas a adesão que nós tivemos no Parapan aqui mostra que o pensamento sobre o voluntariado no Brasil vem mudando”, avalia o jogador de rúgbi Luis Fernando. Para ele, a diferença não se restringe ao aumento da adesão. O perfil dos interessados também mudou. “Vi voluntários muito qualificados. Tem pessoal que é professor universitário e está trabalhando como voluntário. É muito bacana”, comenta o jogador, que também é professor universitário.
Interesse em ser voluntário
Para o Parapan de Jovens de São Paulo, 270 pessoas foram selecionadas entre as 703 inscritas. Há gente de 17 estados e de 43 universidades diferentes. Marisa Pereira Pessoa, 29 anos, saiu de Manaus para ser voluntária no evento na capital paulista. Profissional de educação física, ela trabalha com o esporte paralímpico há quatro anos. “Descobri minha paixão pelo paradesporto na faculdade”, conta. Quando voltar a Manaus, os alunos dela terão uma bela surpresa: ela gravou vídeo de atletas mandando mensagens de incentivo para mostrar a eles. “Participar deste evento é uma oportunidade de conhecer outras realidades e ver que trabalhos com o esporte paralímpico estão dando certo em outros lugares”, comemora.O capixaba Roque Marinato Júnior, 32 anos, foi voluntário nos Jogos Olímpicos e nos Paralímpicos do Rio-2016, está no Parapan na mesma função e já faz planos para repetir a dose no Sul-Americano de Cochabamba, Colômbia, e no Pan-Americano de 2019, além dos Jogos de Tóquio-2020. “Depois que você é contagiado pelo espírito voluntário, já era”, brinca. O profissional de educação física explica que consegue se planejar para dedicar tempo à participação em eventos como esses pela antecedência com que programa tudo.
A repórter viaja a convite do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB)