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Por que os atletas brasileiros não fazem protestos políticos?

Onda de manifestações contra o racismo nos Estados Unidos, iniciada por jogadores da NFL, não será vista tão cedo no Brasil

postado em 26/09/2017 10:30 / atualizado em 27/09/2017 11:16

Michael Reaves/Getty Images/AFP
Em mais um episódio após declarações polêmicas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, jogadores de diferentes ligas esportivas protestaram contra o racismo no fim de semana. O assunto tomou conta das redes sociais e noticiários nos EUA e no Brasil. Ao contrário do que acontece no território norte-americano, onde é comum o engajamento de esportistas em questões sociais, os atletas brasileiros não costumam aproveitar a imagem que têm para tratar de problemas sociais ou políticos.

“Há uma certa apatia do mundo esportivo brasileiro de maneira geral em relação às questões sociais”, afirma Dulce Filgueira, professora de sociologia da faculdade de educação física da Universidade de Brasília (UnB). Na avaliação de Dulce, o modo como o esporte foi desenhado na sociedade influencia a pró-atividade de atletas brasileiros. “No nosso país, o esporte nasceu muito ancorado na ideia militarista, por isso há essa apatia”, critica.

Há mais de três décadas sem ver um grande movimento criado por esportistas, o Brasil não dá indícios de que verá, nos próximos anos, protestos liderados por atletas dentro de quadra ou campo. “O esporte aqui ainda é extremamente conservador. Então, apesar de importante, acho difícil a mudança acontecer”, analisa.

Arquivo pessoal
O último movimento social criado por atletas brasileiros aconteceu há 35 anos. A Democracia Corintiana foi a maior ação ideológica da história do futebol brasileiro e uma das principais frentes de combate à ditadura militar. O professor de sociologia do esporte da Universidade Católica de Brasília (UCB), Luis Otávio Teles, acredita que, por conta dessa estrutura conservadora, o esporte ainda é tímido nesse aspecto político-cultural. “Vejo movimentos isolados, mas a criação de uma massa crítica no domínio do esporte ainda está muito longe”, acredita. Dulce explica que existem lideranças, mas elas são voltadas apenas para questões esportivas.

Um dos movimentos mais recentes é o Bom Senso F.C., criado em 2013 por jogadores de grandes clubes de futebol do Brasil. Ele cobravam melhores condições no futebol brasileiro. Neste ano, outro protesto protagonizado pelos jogadores da Série A e B do Brasileirão agiu contra a proposta de reforma trabalhista na Lei Pelé, que regula os vínculos entre jogadores e clubes. Na primeira rodada da Série A, jogadores entraram em campo com uma faixa preta no braço.

De acordo com Dulce Filgueira, o que falta é trabalhar o esporte como fenômeno social, pensar mais na sociedade brasileira e de onde os atletas vieram. “Eles se posicionarem criticamente frente às questões sociais seria muito relevante para alavancar questões que a própria sociedade não manifesta por falta de força”, explica. Pela visibilidade e a exposição midiática que o atleta tem, a fala tem uma repercussão maior.

Cobrança indevida

Mesmo por conta da visibilidade, exigir posicionamento do atleta pode ser um erro. Para a especialista em psicologia do esporte, Katia Rubio, o atleta tem o direito de se posicionar, mas não é o dever dele. “Cobrar do atleta que ele seja politizado e proteste é injusto. Não posso exigir isso dele só porque tem visibilidade, até porque, para se pronunciar, o atleta precisa estar preparado”, pondera a professora da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP).

“Talvez, isso aconteça lá porque a prática profissional do esporte acontece como em nenhum outro país. Os atletas têm uma extensão de conhecimento muito grande”, considera Katia Rubio.

Nos EUA, a maioria dos atletas são egressos de universidades. “Aqui, não temos ainda uma relação definida do esporte com a educação. A gente tem como resultado pouca reflexividade”, considera Dulce Filgueiras. Um dos líder da Democracia Corintiana, Sócrates era médico. 

Luis Otávio Teles concorda. “O capital cultural faz falta quando você cria uma perspectiva crítica”, acredita. Todos os jogadores que atuam na NFL passam por pelo menos dois anos de faculdade. No futebol, a realidade é outra. No ano passado, uma pesquisa do Globo Esporte revelou que entre os mais de 600 jogadores da Série A, apenas cinco tinham o ensino superior completo.

Na avaliação dos especialistas, além da falta de formação, há subserviência aos patrocinadores. “Como eles dependem disso, se posicionam de uma forma mais passiva”, constata Dulce Filgueira. 

Porém, nem mesmo os norte-americanos podem reivindicar sem medo de perder o emprego. Após protestar contra o racismo, Colin Kaepernick, quarterback do San Francisco 49ers, não tem clube para jogar. Sem contrato, ele sofreu boicote dos 32 times da liga. Em 2016, o atleta de 29 anos foi o 23º melhor da posição na NFL.

Ataques e contra-ataques

Brendan Smialowski/AFP
O movimento nos EUA voltou a ganhar força neste ano após o boicote da liga a Colin Kaepernick e se intensificou na rodada de domingo, após as declarações condenatórias ao ato feitas por Donald Trump. Nas redes sociais, o presidente sugeriu que os times demitissem aqueles que “desrespeitassem a bandeira”. O resultado foi uma série de protestos na rodada do último domingo da NFL.

Alguns times sequer saíram dos vestiários para acompanhar a solenidade. No jogo entre Baltimore Ravens e Jacksonville Jaguars, 14 jogadores de ambas as equipes, o treinador e o dono dos Jaguars participaram do protesto. O comissário da liga, Roger Goodell, soltou um comunicado contestando Trump e também foi atacado pelo presidente.

Na liga de basquete, os astros do Golden State Warriors, Stephen Curry e Kevin Durant, manifestaram apoio aos atletas da NFL e se recusaram a fazer parte da tradicional visita do campeão da NBA à Casa Branca. O pronunciamento irritou o presidente Donald Trump, que optou por cancelar o convite. No beisebol, o calouro do Oakland Athletics, Bruce Maxwell, foi o primeiro da MLB a se ajoelhar durante o hino, no último domingo. No sábado, o músico Stevie Wonder se pôs de joelhos durante um show. 
 
*Estagiário sob a supervisão de Marcos Paulo Lima