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Polícia Civil aponta 'rombo' de R$ 10 milhões no Cruzeiro e detalha irregularidades de dirigentes e empresários

Ex-dirigentes e quatro empresários foram indiciados pelos crimes de apropriação indébita, falsidade ideológica, associação criminosa e lavagem de dinheiro

postado em 11/08/2020 18:00 / atualizado em 12/08/2020 10:25

(Foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)
Delegados da Polícia Civil de Minas Gerais detalharam, em entrevista na tarde desta terça-feira, seis temas centrais do resultado da investigação sobre a antiga gestão do Cruzeiro. O ex-presidente Wagner Pires de Sá, o ex-vice-presidente de futebol Itair Machado, o ex-diretor-geral Sérgio Nonato e quatro empresários foram indiciados pelos crimes de apropriação indébita, falsidade ideológica, associação criminosa e lavagem de dinheiro.

Dos empresários, três trabalham com futebol: João Sérgio, ex-representante do goleiro Fábio (romperam parceria no começo deste ano); Carlinhos Sabiá e Wagner Cruz. O outro indiciado é Cristiano Richard dos Santos Machado, do ramo de Equipamento de Proteção Individual (EPI).

O inquérito da Polícia Civil foi recebido nessa segunda-feira pelo Ministério Público de Minas Gerais, que tem 15 dias para analisá-lo e decidir se oferecerá denúncia ou se solicitará complementação da investigação com novas diligências. Segundo os investigadores, o “rombo” nos cofres celestes foi de R$ 8,2 milhões. Em valores corrigidos, o total chega a R$ 10 milhões.

Resultados das investigações


(Foto: Túlio Santos/EM/D.A Press)

A Polícia Civil analisou computadores, documentos e mais de 50 mil e-mails relacionados à gestão iniciada em janeiro de 2018 no Cruzeiro. A expectativa do órgão é que o inquérito que indiciou sete pessoas seja apenas o início de uma investigação mais abrangente, que dê conta de possíveis irregularidades ainda não avaliadas.

“A gente espera que não fique apenas com este relatório final, mas que seja o início, porque, com certeza, vão haver outros desdobramentos”, disse o delegado-geral Agnelo de Abreu Baeta, chefe do Departamento de Combate à Corrupção e a Fraudes da Polícia Civil de Minas Gerais.

Iniciada a partir de uma denúncia anônima em abril de 2019, a fase inicial das investigações sobre a antiga administração do clube celeste foi denominada “Primeiro Tempo”. Nela, os delegados da Polícia Civil identificaram irregularidades em seis casos, explicados a seguir.

1 - Relação com empresário de EPI


Entre os casos investigados está um empréstimo contraído pelo Cruzeiro em 1º de março de 2018. Na ocasião, o clube recebeu R$ 2 milhões do empresário Cristiano Richard dos Santos Machado, sócio de firmas que atuam na locação de veículos e de equipamentos de proteção.
 
 
 
Segundo a investigação, as partes envolvidas incluíram um novo termo no contrato de empréstimo, cerca de um mês depois. Nele, o clube afirmava que não dispunha de recursos para efetuar o pagamento da dívida, que venceria no fim do ano.

Para quitá-la, oferecia percentuais de direitos econômicos de dez jogadores. Entre os atletas estão o goleiro Gabriel Brazão (20%), o lateral-direito Vitinho (20%), os zagueiros Murilo (7%) e Cacá (20%), além dos atacantes David (20%) e Raniel (5%). A partir daí, a Polícia Civil investigou outras transações financeiras entre o empresário e um ex-dirigente do Cruzeiro. 

“Em data aproximada, este mesmo empresário realiza o pagamento de aproximadamente R$ 3,7 milhões a uma construtora para pagar parte de um apartamento a um então dirigente do Cruzeiro. O que eles tentaram alegar em suas defesas era que o pagamento seria em decorrência de um contrato entre o empresário e o ex-dirigente, que não possui sequer data de pagamento ou garantias”, explicou o delegado Domiciano Monteiro, chefe da Divisão Especializada de Combate à Corrupção, Investigação a Fraudes e Crimes Contra a Ordem Tributária.

“Somente mais de um ano depois, quando a investigação foi divulgada pela imprensa, é que eles procuraram fazer um novo termo, em que eles indicavam que, na verdade, não teria essa cessão de direitos de jogadores, que isso seria só uma garantia”, completou o investigador.

2 - Negociação de Mayke


Outro caso investigado foi a negociação do lateral-direito Mayke com o Palmeiras. O jogador foi emprestado ao clube paulista em maio de 2017. O contrato valia até o fim de 2018 e estabelecia um valor fixado caso a diretoria alviverde quisesse adquirir definitivamente os direitos econômicos do atleta.

Segundo a investigação, o Cruzeiro inseriu um agente na negociação (Carlinhos Sabiá) em outubro de 2018, dois meses antes de o contrato de empréstimo com o Palmeiras se encerrar. O intermediário, então, recebeu R$ 800 mil em comissão quando o clube paulista optou por comprar os direitos econômicos de Mayke. 
 
 

O delegado Domiciano Monteiro afirmou que esse valor foi utilizado para pagar uma dívida particular de “um ex-dirigente” do Cruzeiro com um ex-treinador de um antigo clube que ele dirigia. O “ex-dirigente” é Itair Machado; o “antigo clube que ele dirigia” é o Ipatinga.

“A gente não está criminalizando o recebimento de comissão. A questão é que, durante todo o contrato do Mayke, não teve intermediador. Ele já estava com passe fixado. Então, por que dois meses antes de vencer o contrato esse intermediador é inserido? O intermediador até participa das reuniões, mas, quando ele é inserido, gera ao Cruzeiro uma obrigação de pagar a comissão. São R$ 800 mil que não precisavam ser dispensados pelo Cruzeiro, porque não precisava da figura do intermediador, já que tudo já tinha sido tratado sem a presença do intermediador”, explica o delegado Gustavo Xavier,  da 2ª Delegacia Especializada na Investigação de Fraudes.

3 - Contrato de Bruno Silva


A Polícia Civil também investigou um contrato firmado com o volante Bruno Silva, que deixou o Botafogo no fim de 2017 para acertar com o Cruzeiro por três temporadas. Segundo a investigação, o valor pago em comissão a um empresário (Carlinhos Sabiá) que participou da negociação foi acima da média do mercado.
 
 

“Esse mesmo empresário repassa uma parte dos valores que ele recebeu para o pagamento de dívidas que um ex-dirigente do Cruzeiro possuía com um profissional liberal”, revelou o delegado Domiciano Monteiro.

“Juntando informações das provas testemunhais com o sigilo bancário, demonstrando que parte do valor pago em comissão a esse empresário foi para o pagamento de dívida de um ex-dirigente, a gente entendeu que esse ex-dirigente praticou apropriação indevida de valores”, explicou o delegado Gustavo Xavier.

(Foto: Vinnicius Silva e Igor Sales/Cruzeiro)

4 - Renovação de Fábio


O quarto tópico da investigação foi a renovação do goleiro Fábio, em fevereiro de 2019. A Polícia Civil analisou o pagamento de comissão a dois empresários, que foram indiciados: João Sérgio Ramalho, conhecido como “João da Umbro” (R$ 900 mil), e Wagner Cruz (R$ 750 mil). Este, porém, nunca representou oficialmente o arqueiro.
 
 

“Esse empresário que não representava (Wagner Cruz) repassa o valor aproximado de R$ 750 mil para um então dirigente do Cruzeiro Esporte Clube”, diz o delegado Domiciano Monteiro. Os envolvidos no caso foram ouvidos pela Polícia Civil.

Alguns deles afirmaram que, antes de renovar com o Cruzeiro, o goleiro Fábio havia aceitado uma proposta do futebol estrangeiro. A oferta teria sido intermediada pelo empresário Wagner Cruz. Depois, segundo a versão, o jogador teria mudado de ideia e resolvido permanecer no clube.

Por conta da suposta mudança de ideia, Wagner Cruz não receberia a comissão prevista pela transferência do goleiro ao exterior. Por isso, o empresário teria sido incluído na negociação pela renovação com o Cruzeiro e recebido os R$ 750 mil mesmo sem representar Fábio.

“Foram ouvidos outros empresários do mundo do futebol, que negaram veementemente a possibilidade disso acontecer, afirmando que isso era algo impraticável. Não nos foi apresentado sequer uma mensagem de WhatsApp, e-mail, comprovando essa proposta. O goleiro negou veementemente que tenha aceitado a proposta e voltado atrás”, disse o delegado Gustavo Xavier.

“Ou seja, tendo a contradição, conseguimos concluir que há indícios de que essa pessoa (Wagner Cruz) foi inserida no negócio da renovação do goleiro para gerar um crédito de 750 mil em relação ao Cruzeiro. Depois, esse valor foi repassado a um ex-dirigente do Cruzeiro”, completou.

5 - Pagamento retroativo a Itair Machado


Outro caso investigado pela Polícia Civil foi o pagamento retroativo de salários a Itair Machado referentes aos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017, no valor de R$ 450 mil. Oficialmente, porém, o ex-dirigente só assumiu o cargo de vice-presidente de futebol do Cruzeiro em janeiro de 2018, quando se iniciou o mandato de Wagner Pires de Sá.
 
 

“O então presidente do Cruzeiro (Gilvan de Pinho Tavares) informou que não realizou a contratação desse dirigente (Itair Machado) e que, portanto, não seriam devidos valores a ele por serviços prestados naquela época”, explicou o delegado Domiciano Monteiro.

6 - Pagamentos de advogados particulares


O último tópico apresentado pelos porta-vozes da Polícia Civil foi sobre a utilização de recursos do Cruzeiro para o pagamento de advogados que atuaram para defender interesses particulares de dois ex-dirigentes.
 
  

A administração

 
O mandato do economista Wagner Pires de Sá arruinou as finanças do Cruzeiro e mergulhou o time na Série B do Campeonato Brasileiro. Relatório da Moore Stephens Consulting News Auditores Independentes publicado em 20 de maio apresentou déficits na instituição de R$ 73,3 milhões, em 2018, e R$ 394,1 milhões, em 2020.
 
Ou seja, com o ex-presidente, o clube acumulou mais de R$ 467 milhões “no vermelho” e atingiu dívida de R$ 803 milhões, impagável em curto prazo. Em um efeito cascata, o Núcleo Dirigente Transitório, que geriu o clube no primeiro semestre deste ano, projetou déficit de R$ 143 milhões em 2020, o que pode fazer o passivo alcançar R$ 946 milhões no balanço a ser publicado em 2021.
 
Além da chance de responderem por crimes, Wagner, Serginho e Itair podem ser definitivamente banidos do Cruzeiro. Na última sexta-feira, o presidente Sérgio Santos Rodrigues protocolou as petições para excluir os dois primeiros do Conselho Deliberativo e o último da lista de associados.
 
Entre os vários argumentos apresentados estão os contratos com jogadores e intermediários lesivos ao clube, a “avalanche” de ações trabalhistas devido a atrasos salariais, o uso de cartões corporativos para fins pessoais e a perda do parcelamento da dívida fiscal com o Governo, de R$ 330 milhões, por meio do Profut.
 
Em meio à crise financeira, administrativa e institucional, o Cruzeiro pagou caro em campo pela má gestão. Em 2019, o time foi rebaixado pela primeira vez à Série B do Campeonato Brasileiro.

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