COPA DO MUNDO

Os garçons de Fred

Companheiros do infantil e juvenil relembram início da trajetória do camisa 9 da Seleção

Edesio Ferreira/EM/D.A Press

Teófilo Otoni
– Enquanto Fred chegava para o treinamento da Seleção Brasileira, ontem, no início da tarde em Belo Horizonte, o moto-taxista Isaac Rodrigues fazia mais uma corrida por R$ 4 no Centro de Teófilo Otoni, cidade de 140 mil habitantes e distante 540 quilômetros de Belo Horizonte. Isaac foi o camisa 10 do infantil e juvenil do América -TO, um armador pela esquerda, habilidoso e voluntarioso, nas palavras de quem o viu jogar, que quando chegava à linha de fundo e olhava para área via um menino “alto e orelhudo” levantando o braço e pedindo bola insistentemente. O camisa 9 daquela época é o mesmo que hoje levantará o braço e clamará por passes quando Neymar estiver com a bola: Fred.

Canhoto, com muita habilidade e um chute certeiro, era Isaac a principal aposta do técnico Carlos Francisco de Moura, o Pio, de 59 anos, para um futuro brilhante no futebol. Além de Isaac, outra aposta do técnico era Geraldinho, o agente penitenciário Geraldo Ubirajara Farias, que ontem curtia seu primeiro dia de férias e planejava a viagem para Belo Horizonte, onde chegará hoje com a esperança de conseguir um ingresso para a partida do Brasil ante o Chile no Mineirão.

Isaac e Geraldinho eram os pontas do esquema 4-3-3 armado por Pio no infantil e também adotado por Laércio Heitor Reis, o Citana, na categoria juvenil do América-TO. “Eles eram os garçons do Fred”, garante Pio, funcionário público aposentado e que foi o primeiro técnico do atacante na equipe infantil do América-TO. Pio diz que, assistindo as partidas da Copa do Mundo, recordou de Isaac ao ver o holandês Robben atuando. “O jeito de jogar a bola na frente e partir para cima é parecido”, detalha.

Outro armador habilidoso que passou pela categoria de base do América-TO foi Rodrigo, irmão mais velho de Fred e que trabalha como empresário do jogador da Seleção. “O irmão do Fred era muito bom, mas sorte não é para todo mundo”, resume Citana, que continua treinando as categorias de base do América-TO.

A sorte que sobrou para Fred faltou a Isaac. O camisa 10 passou por times do interior da Bahia e de Minas Gerais e até pelo Ipatinga, mas não conseguiu seguir a carreira no futebol profissional. Trabalhou como entregador e balconista em uma farmácia, como funcionário de um estacionamento, teve um filho e hoje é moto-taxista. “Enquanto não consigo algo melhor”, espera Isaac, de 31 anos.

Geraldinho, de 30 anos, também tentou seguir no futebol, chegou a fazer testes no Cruzeiro, mas o pai impediu que morasse na capital e voltou para Teófilo Otoni. Foi moto-taxista, casou, teve um filho, se separou, trabalhou como balconista em uma loja de autopeças, bilheteiro em uma empresa de ônibus e sacoleiro até ser aprovado em um concurso para agente penitenciário. No presídio, é responsável pelo canil e adestra os cachorros usados para farejar drogas. Geraldinho está concluindo o curso de Direito e quer fazer concurso para ser policial federal.

ORGULHO Apesar de a vida ter reservado destinos bem diferente para os três atacantes dos tempos de infantil e juvenil do América-TO, o que não falta para Isaac e Geraldinho é orgulho de ver o companheiro titular da Seleção Brasileira. Geraldinho chega a se emocionar quando fala do amigo: “Ele era meu parceirão. Vinha aqui para casa e dormia aqui. Tenho um sentimento de muita alegria, pois o que não conquistei com o futebol, ele conquistou”.

Isaac recorda de um campeonato disputado em Belo Horizonte e que eles ficaram alojados nas dependências do antigo Mineirão. “Conseguimos entrar no gramado e lembro que o Fred olhou para aquela arquibancada imensa e disse: um dia vou jogar aqui. Na hora, todo mundo riu”, detalha Isaac. Aos 30 anos, Fred já jogou 48 vezes no estádio e marcou 42 gols. Hoje, jogará a partida mais importante da carreira no Gigante da Pampulha.


E MAIS...


Popstar em Tchó-Tchó

Fred visita Teófilo Otoni anualmente na época do Natal. O jogador perdeu a mãe ainda criança e o pai foi trabalhar em Belo Horizonte, deixando o filho sob os cuidados dos tios. Quando chega à cidade, é recebido com honras de estrela, cercado por fãs a cada passo. A cidade é a maior do Vale do Mucuri e famosa pelas pedras preciosas. É chamada carinhosamente pelos moradores, Fred entre eles, de Tchó-tchó.

Parceiro de Neymar


Gelson Lobo, de 17 anos, tenta repetir os passos de Fred e treinava ontem pela manhã no Estádio Nassri Mattar. Apontado pelo técnico Citana como aquele com as características mais próximas do atacante da Seleção, ele é irmão de Geovani, de 22 anos, parceiro de Neymar nas categorias de base do Santos e que saiu do Brasil para o Arsenal da Inglaterra com apenas 16 anos. Entre brigas e disputas judiciais, a carreira do irmão de Gelson não deslanchou e ele volta a jogar pelo Santos, porém, longe do brilho do antigo parceiro.

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