Vôlei

SUPERLIGA FEMININA

Com poucos estudos sobre desempenho, polêmica em torno da transexual Tiffany na Superliga não deve ter fim tão cedo

Federação Internacional de Vôlei discutirá assunto nesta quarta-feira

postado em 22/01/2018 10:00 / atualizado em 23/01/2018 16:37

Marcelo Ferrazoli/ Vôlei Bauru

Primeira transexual a disputar a elite do vôlei brasileiro, a goiana Tiffany Abreu desembarca em Belo Horizonte nesta semana em momento de intensa discussão sobre vantagem de desempenho em relação às companheiras de quadra. Ela é um dos destaques do Bauru, que enfrenta o Minas na sexta-feira, às 20h, pelo returno da Superliga Feminina. Dois dias antes, na quarta, a Federação Internacional de Vôlei (FIVB) vai discutir a participação de atletas transgêneros em reunião da comissão médica da entidade, em Lausanne (Suíça).

Embora o tema não seja inédito – a norte-americana Renée Richards chegou a disputar a chave masculina e, depois de mudar de sexo, a feminina do US Open nos anos 1960 e 1970 –, os estudos sobre desempenho físico de transgêneros ainda são incipientes, inconclusivos e a medicina do esporte está distante de um veredicto.

“O que está em discussão do ponto de vista médico não é a questão social, de aceitação ou não. Um dos desafios da medicina esportiva é definir se a redesignação de gênero pode proporcionar ao atleta alguma vantagem fisiológica. E não existe essa resposta ainda”, afirma Haroldo Christo Aleixo, cardiologista e médico do esporte do Atlético e do Minas. “Pode ser que ela tenha vantagem ou até mesmo desvantagem, não há estudo. Qualquer conclusão é precipitada.”

Chefe do departamento de processos técnico-científicos e saúde do esporte do Minas, José Ricardo Claudino Ribeiro destaca dois estudos. O primeiro, realizado na Holanda em 2004, trouxe entre os resultados que a testosterona total é um parâmetro raso para determinar as mudanças musculares de transexuais, pois as alterações se deram em ordem diferente nos grupos pesquisados (um de trans masculino e outro de trans feminino).

“Se fosse usar a testosterona total como parâmetro fiel, esperaria que a mudança na muscularidade fosse em ordem semelhante. Mas não: a perda muscular do homem para mulher foi menor do que o ganho da mulher para homem”, explica José Ricardo. “Esse resultado abre um questionamento sobre a testosterona ser um parâmetro muito breve e superficial dessa condição, já que os corpos reagiram de forma diferente diante da supressão ou aplicação de testosterona”.

O outro estudo destacado por José Ricardo foi concluído em 2015, na Inglaterra. “Esse estudo levanta que a grande questão não é só testosterona, é desempenho. E o desempenho aeróbico foi medido limitadamente com oito pessoas trans depois de três anos de supressão de testosterona. A queda de rendimento delas foi de 12%”, afirma.

Tanto o educador físico José Ricardo quanto o médico Haroldo Christo concordam quanto à dificuldade de chegar a uma resposta da ciência sobre a presença de transexuais no esporte. “As entidades do esporte, sobretudo o COI, se deparam com um fato. A literatura é pífia e os parâmetros são rasos. Mas existe um grupo grande de seres humanos que está pleiteando espaço. Entra agora, inevitavelmente, a questão filosófica: democratizo ou me torno conservador?”, analisa José Ricardo. “Depois de 10 anos, vamos supor que o mundo faça uma força-tarefa e mostre que o rendimento está parecido com o de outra mulher – ou até pior. Como ele vai reparar quem pleiteou espaço? Ou prove o contrário. É uma situação delicada”, diz.

“A discussão não antecedeu o problema. A discussão está surgindo com o problema. Estamos diante de um novo tempo”, afirma Haroldo Christo. “Não posso me pautar apenas num exame, numa dosagem hormonal, para dizer que a atleta submetida a intervenções hormonais para a redesignação de gênero esteja em pé de igualdade com outra. É necessário que sejam criados mecanismos, estudos, do ponto de vista médico para tentar avaliar quais parâmetros devem ser adotados para medir a influência na performance”, conclui.

POSIÇÕES OFICIAIS Em nota oficial, a FIVB afirmou que a participação de atletas transgêneros no esporte segue duas etapas. A primeira é que “a classificação dos jogadores como masculina ou feminina é baseada nos documentos oficiais dos atletas emitidos pelas autoridades de seu país”. Em segundo, a classificação não significa automaticamente que o atleta seja elegível, uma vez que depende de certificação de gênero emitida pela Comissão Médica da entidade.

A FIVB começou a revisar as condições para a emissão dos certificados e deve concluir a revisão até os Jogos Olímpicos de Inverno deste ano, em conjunto com o Comitê Olímpico Internacional (COI). Em janeiro do ano passado, o COI mudou algumas diretrizes que permitiram a presença de transexuais sem necessidade de cirurgia. O atleta, no caso de redesignação de homem para mulher, além de ter declarada a nova identidade de gênero, precisa manter o nível de testosterona abaixo de 10 nmol/L nos 12 meses anteriores à competição e durante o período de provas. O de Tiffany é de 0,2 nmol/L.

Passado no Juiz de Fora


Tiffany se tornou a primeira brasileira a conseguir autorização da FIVB para atuar entre as mulheres em fevereiro do ano passado, quando ainda jogava nas divisões de acesso do vôlei italiano. Nascida Rodrigo em Goiânia, há 33 anos, ela obedeceu aos requisitos estabelecidos pela federação internacional e pelo COI.

Antes de fazer história, Tiffany atuou na Superliga Masculina de Vôlei pelo Juiz de Fora. “Treinei o Rodrigo, um ser humano fantástico. Ajudou o projeto, foi um dos principais jogadores do Juiz de Fora na subida da Superliga B para a Superliga A. Não ficou porque tinha contrato na Europa”, lembra Maurício Bara sobre a passagem da oposta pela equipe da Zona da Mata, em 2010 e 2011.

Bara evita opinar sobre a polêmica participação de Tiffany na Superliga. “Não tenho opinião formada. Nem eles (médicos e pesquisadores) sabem, difícil para a gente entender os critérios.” Além de Juiz de Fora, antes da transição ela atuou em ligas na França, na Holanda, na Bélgica e na Indonésia.

PONTOS Contratada em dezembro pelo Bauru, Tiffany disputou cinco partidas na Superliga Feminina. Estreou com 15 pontos contra o São Caetano, em 10 de dezembro. Chegou a fazer 30 diante do Fluminense e, no total, tem 115 pontos – média de 23, superior à de Tandara, do Osasco, maior pontuadora da competição.

FALA, ATLETA!


“Ela tem a força de um homem. Eu e a Fabiana falávamos sobre isso outro dia. Imagina se vira uma onda, porque não precisa mais de cirurgia?”, diz Sheilla, bicampeã olímpica, ao podcast Dibradoras, nesse sábado.

“É uma questão bem delicada, mas que tem que ser muito bem estudada e revista. Uma questão extremamente nova e que, como tudo na vida, precisa de adaptação. Quem sabe uma regra de idade? Até qual idade seria permitida a inclusão de um transgênero para que esse não leve vantagem?”, diz William, levantador campeão olímpico no Rio, em post no Twitter.

CASOS FAMOSOS


Ao longo das décadas, diversidade de gênero ganhou destaque no esporte

Renée Richards (tenista)
Nascida Richard Raskind, competiu na chave masculina do US Open. Fez cirurgia aos 40 anos, em 1975, e foi finalista do torneio de duplas femininas do mesmo Grand Slam em 1977.

Laurel Hubbard (levantamento de peso)
A neozelandesa, que se chamava Garvin, entrou para a história ao se tornar a primeira transgênero a subir no pódio no levantamento de peso: conquistou a prata no Mundial de Anaheim, no ano passado, nos Estados Unidos.

Chris Mosier (duatlo)
Advogado, triatleta e palestrante. Depois de iniciar a transição em 2010, o americano Chris Mosier foi o primeiro transgênero a se classificar para o Mundial de Duatlo. Tentou, mas não conseguiu qualificação no triatlo para os Jogos da Rio’2016. É o primeiro transgênero da história da equipe olímpica norte-americana.

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