CLUBES DA ESQUINA

Sobrevivência à base de água e sabão

Série publicada desde domingo pelo EM mostra como o Ferroviário, time que revelou Cerezo e é o mais antigo em atividade entre os amadores de BH, consegue se manter

postado em 09/12/2014 08:20 / atualizado em 09/12/2014 08:29

Renan Damasceno / Estado de Minas

Edesio Ferreira/EM/D.A Press

O clube amador mais antigo de Belo Horizonte em atividade só sobrevive porque os próprios diretores lavam o uniforme dos jogadores. É assim a rotina do Ferroviário, do Horto, fundado em maio de 1928 e responsável por revelar jogadores como Toninho Cerezo (Atlético, São Paulo, Cruzeiro, Roma, Sampdoria, Paulista, América e Seleção Brasileira). Ao fim de cada jogo, os irmãos Mauro, Evaldo e Gilmar Mansur se dividem: um recolhe o monte de roupas, outro joga tudo na máquina comprada em 12 prestações escorada no fundo do vestiário e o terceiro volta no dia seguinte para pendurar os uniformes alvirrubros no varal.

“Tem hora em que você é roupeiro, massagista, gandula. Futebol amador é coisa de abnegados”, diz Mauro, que praticamente nasceu dentro da sede do Ferroviário, formado às margens da linha férrea e, até a década de 1980, com forte relação com o sindicato da categoria. Com a privatização da rede, o clube passou a ser gerido por membros da comunidade – entre eles, a família Mansur, que mora ao lado do campo, localizado na esquina da Avenida dos Andradas com a Silviano Brandão.

O Estado de Minas apresenta desde domingo a série Clubes da Esquina, sobre o futebol amador de BH. Instituições quase centenárias, que lutam para sobreviver e continuar construindo um dos maiores patrimônios da capital: o futebol de várzea, que ainda hoje movimenta comunidades inteiras.

A personificação, como no Ferroviário, é um dos fatores que mantêm muitos desses clubes de portas abertas. Não fosse a dedicação de presidentes ou de famílias inteiras, muitos já teriam seguido o caminho de mais de 300 agremiações registradas pela Federação Mineira de Futebol (FMF) que não existem mais. Segundo o Setor de Futebol Amador da Capital, das 546 equipes filiadas, 234 mantêm atualmente alguma atividade.

“Às vezes, não tem dinheiro para pagar um menino para buscar as bolas, e a gente faz papel de gandula. Limpa chuteira, lava roupa, faz tudo. São poucos os clubes que conseguem patrocinador”, lamenta Mauro. “Não temos patrocinador, sai do nosso bolso, do bolso dos pais dos alunos da base. O poder público, os patrocinadores tinham de ver isso, pois a gente desempenha um trabalho social, de afastar muitos meninos das drogas”, comenta.


O Ferroviário disputa atualmente a Primeira Divisão do Campeonato Mineiro Amador e a Copa Centenário, além das divisões de base. O principal título de sua história foi o Estadual de 1979.


NA MARCA DA CAL
O apelido Nildão Só Alegria não reflete nem de longe as dificuldades de Nildo André, de 49 anos, presidente do Cachoeirinha, da Região Nordeste de BH. Muito antes de a bola rolar no campo de terra batida do clube, por volta das 6h, todo fim de semana, o presidente abre os portões do local e, com calma, gasta cerca de uma hora para fazer todas as marcações do piso com cal. “Se pensar em dinheiro, você pira. A gente não tem nem livro-caixa, é só caneta vermelha. Se mexer com isso fico doido. Você arrecada R$ 800 e tem despesa de R$ 3 mil, R$ 4 mil”, comenta Nildo, que foi jogador do Cachoeirinha antes de se dedicar exclusivamente à direção, há 18 anos.

Beto Novaes/EM/D.A Press


Durante a semana, ele é funcionário de um escritório de advocacia. Aos sábados e domingos bate ponto no clube, quase nunca para jogar. “É só problema, mas pelo menos a gente sabe que está mexendo com coisa boa, ajuda muita gente, a comunidade gosta, apoia. Isso é gratificante”, comenta.

Fundado em janeiro de 1951, o Cachoeirinha é um dos 16 times que disputam a chave Belo Horizonte da Copa Itatiaia, que começa no domingo. O último título importante do clube foi o troféu da Divisão Especial do Campeonato Mineiro Amador, em 1999.

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