ENTREVISTA

Lembranças de um campeão: Procópio chega aos 80 anos e recorda grandes momentos da carreira

Jogador e técnico de sucesso, Procópio Cardoso completa 80 anos nesta quinta-feira, dia 21, e conta casos incríveis de dentro e fora de campo

postado em 20/03/2019 08:00 / atualizado em 20/03/2019 16:39

<i>(Foto:  Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>

Um dos grandes zagueiros do futebol brasileiro, campeão em todos os clubes que passou, Procópio Cardoso completa 80 anos nesta quinta-feira, dia 21. Para ele, é momento de recordar a carreira, como jogador – participou das duas primeiras conquistas expressivas do futebol mineiro em nível nacional: o Brasileiro de Seleções, com a camisa de Minas Gerais, em 1963 (foto abaixo); e a Taça Brasil, com o Cruzeiro, em 1966 – e treinador. Procópio dirigiu os três da capital sendo que, no Atlético, está atrás apenas de Telê Santana entre os técnicos que mais comandaram a equipe. Nesta entrevista ao Estado de Minas e ao Superesportes, ele relembra momentos importantes de sua trajetória, como a contusão que sofreu em lance com o Rei do Futebol: "Pelé foi maldoso comigo, quebrou minha perna".




O começo

Meu pai era procurador de Justiça, em Salinas. Depois que ele morreu, eu, que era arrimo de família, vim pra BH, trabalhar e estudar. Surgiu a chance de jogar no juvenil do Renascença. Eu era ponta de lança. Quando o time profissional do clube estava sendo montado para o Mineiro de 1958, o ex-volante Gérson dos Santos, que foi meu ídolo no Botafogo, foi contratado como técnico. Resolvi que veria a apresentação dele. Quando cheguei, estavam só o presidente Alcides Diamantino e o seu Vicente, técnico do juvenil, na arquibancada. Assentei-me com eles. Nada de o treino começar. O Gérson dos Santos se aproximou e disse que faltavam jogadores, justamente dois beques. O seu Vicente sugeriu que eu completasse o grupo e o presidente incentivou. O roupeiro Cristiano veio com o uniforme. Para minha surpresa, meu parceiro de zaga foi o Gérson dos Santos, que meu deu dicas o tempo todo. Virei zagueiro.

<i>(Foto: Arquivo EM)</i>


Grandes times

“Em 1959, fui para o Cruzeiro. O time foi bicampeão. Foi meu primeiro título. O São Paulo veio e me comprou. Logo depois, queria casar, o Atlético me pegou emprestado. Fui bicampeão. Veio a Seleção Mineira e fomos campeões brasileiros. Minas Gerais era sempre eliminada. Ninguém apostava na gente. E quando ganhamos o título, no Rio, em 1963, o Fluminense me contratou. Tive de me apresentar no dia seguinte, às 7h da manhã. Lá, fui campeão carioca.”

<i>(Foto: 05/02/1963. Credito: Arquivo O Cruzeiro/EM)</i>


O amigo Evaldo

Quando ainda estava no Fluminense, ajudei Felício Brandi, então presidente do Cruzeiro, a contratar o Evaldo. Marquei o encontro dele com o presidente do time carioca, Nélson Vaz Moreira. No dia seguinte o levei à sala do dirigente. Fiquei de fora, mas, de repente, me chamaram, e o Nélson disse: você disse que ele viria conversar sobre o Evaldo, mas quer é te contratar. Fiquei boquiaberto. Mas aquilo, foi apenas uma isca do Felício, que saiu de lá com o Evaldo contratado.

<i>(Foto: Arquivo EM)</i>


Revólver

Em 1966, estava no Atlético. Vencemos o Renascença por 2 a 0, só que o Cruzeiro tinha goleado por 5 a 0. A torcida não aceitou, nem alguns dirigentes. Depois do jogo, um deles foi ao vestiário e disse que não iríamos receber o bicho pela vitória e que tínhamos de nos apresentar às 7h, em Lourdes, para aprender a jogar. Eu era o capitão e disse que quanto ao bicho, tudo bem, mas que ninguém treinaria às 7h. Na saída, um convidado do Atlético tentou me agredir. No dia seguinte, um emissário da diretoria foi à minha casa e disse que eu tinha de ir ao clube, todos os jogadores estavam lá. Botei um terno e peguei o revólver que tinha sido do meu avô. Um cara invadiu o vestiário, para me bater. Então, eu disse bem alto que, se ele estivesse sozinho, bateria nele. Mas se fossem mais, mostrei a arma, seria na bala. O cara desapareceu, porém, no Galo eu não podia mais ficar. Recebi um telefonema do presidente do Cruzeiro, Felício Brandi, que disse que ia me contratar. E ele fechou o negócio.

<i>(Foto: Arquivo EM)</i>


Timaço celeste

Quando cheguei ao Cruzeiro, fiquei maravilhado. Tostão e Dirceu Lopes eram incríveis. Ainda tinha Piazza, Evaldo, Neco, Natal, Hilton Oliveira, Raul... Estava novamente com meu concunhado, William. Um time desconhecido no Brasil, que acabou campeão da Taça Brasil de 1966 batendo o Santos de Pelé duas vezes, em BH e em São Paulo. Foi demais. Antes do jogo, falei com o nosso técnico, Airton Moreira, que quem tinha de marcar o Pelé era o Piazza e que eu e William, os beques, ficaríamos na sobra. Aprendi isso no São Paulo, no Fluminense e no Palmeiras, quando enfrentava o Santos. Mas ele não quis ouvir. Mesmo assim, vencemos.

<i>(Foto: Arquivo EM)</i>


Contusão e retorno

Pelé foi maldoso comigo, quebrou minha perna. Pegou no joelho esquerdo. Não me lembro do momento direito, pois desmaiei. Quando acordei, estava no hospital. A dor era insuportável. Minha rótula tinha parado na coxa. Fui operado mais de uma vez. Queria voltar, mas parecia impossível. Resolvi estudar educação física. E lá, fui me adequando ao problema do joelho. Reuperei movimentos e elasticidade. No fim, estava disputando o campeonato da UFMG. Jogava de atacante. Entrei para o Raposão, time de conselheiros do Cruzeiro. Eles foram ao Felício pedindo para que eu fizesse um teste para voltar ao profissional. Deram-me a chance. No primeiro jogo, contra o Vasco, no Maracanã, tive muito apoio do Perfumo e do Zé Carlos. Na primeira bola, dei uma caneta em Roberto Dinamite. Ganhei o prêmio de melhor em campo, dado por ninguém menos que João Saldanha.

<i>(Foto: Arquivo Estado de Minas - 13/10/1968)</i>


Desejo de vingança

O jogo seguinte seria no Pacaembu, contra o Santos. O que eu mais queria era me vingar do Pelé. Pularia com os dois pés nos joelhos dele. Eu dividia o quarto com o Zé Carlos e sempre fui religioso. Aí o Zé Carlos me questionou: “Que negócio é esse de ler a Bíblia e querer quebrar o Pelé?”. Tentei argumentar, mas ele me passou uma descompostura. Foi melhor pra mim. Dormi uma noite tranquila. No dia seguinte, o Pelé me cumprimentou e pediu desculpas. E eu o perdoei.

O técnico

<i>(Foto: Arquivo EM)</i>


Virei treinador no Cruzeiro, em 1977. Era a final contra o Atlético, em melhor de três. O Galo venceu o primeiro jogo, 1 a 0. O Felício me chamou na sala do Yustrich, que era o treinador, e me perguntou o que eu achava que era necessário para vencer o clássico. Disse que Eduardo e Joãozinho não tinham de ficar defendendo. Que Nelinho precisava ter liberdade para atacar. E que tinha de anular Cerezo, Paulo Isidoro e Reinaldo. O Yustrich ficou uma fera. O Felício, então, disse que não o demitiria, pois ele tinha problemas financeiros, mas que eu trabalharia junto dele. Nada seria oficializado. Eu escrevia as instruções e ele, o Felício, lia para os jogadores. O Yustrich só ficava no banco. Depois do Mineiro, fui efetivado.

<i>(Foto: Jorge Gontijo/Estado de Minas - 12/09/1979)</i>


Mundo árabe

Minha primeira experiência na Arábia foi em 1981. O xeque da Federação do Catar, Sultan Khalid, assistiu à final de Atlético e Flamengo, em 81 no Maracanã. Depois que retornamos do Rio, ele ligou pra mim, querendo conversar. Fui para o Al-Arabi, de Doha. Cheguei lá e não tinha nem um time para treinar. Eram só 16 jogadores. O juvenil tinha 15 e pedi para comandar as duas equipes. Assim, podia treinar direito, mesclando. Eles nunca tinham sido campeões. Lçevantamos o troféu juvenil e profissional. Lá, morava numa suite presidencial. Eu, minha mulher e minha filha. Meus dois filhos tinham um quarto pra eles. Os árabes queriam que cada um ficasse num quarto. Mas lá, a gente não tinha independência. Não podia nem receber visita. Aí, depois de nove meses, me deram um apartamento. No total, foram 14 anos no mundo árabe: dez no Catar, dois nos Emirados Árabes e dois na Arábia.

<i>(Foto:  Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>

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