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Mineirão recebe neste sábado o primeiro clássico de futebol feminino de sua história

Atlético e América fazem o primeiro clássico feminino no estádio. Em campo, muitas histórias de superação ao preconceito e à falta de apoio à modalidade. Mas, também, muita esperança de dias melhores

postado em 22/03/2019 08:04 / atualizado em 22/03/2019 12:48

<i>(Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>
Ágata Loreza, de 26 anos, e Brenda Dayane, de 28, não se conhecem. Uma mora em Betim, a outra, em Belo Horizonte. Na infância, trocaram a boneca pela bola, travaram lutas comuns e particulares para praticar um esporte considerado nada feminino. Venceram o preconceito e os desafios da pouca valorização da modalidade. Hoje, integram a primeira geração de jogadoras profissionais de futebol de Minas. Ágata é armadora do América. Brenda, atacante do Atlético. A história dessas duas atletas vai se cruzar no Mineirão neste sábado, às 10h, no primeiro clássico feminino disputado no Gigante da Pampulha. A partida amistosa marcará o encerramento do evento Voe Mulher, realizado no estádio.

<i>(Foto: Superesportes)</i>


Há pouco mais de 20 anos, em Betim, nem se ouvia falar em futebol feminino. Ágata jogava bola com os irmãos e os primos na rua. Cada vez mais envolvida no esporte e driblando muitos marmanjos, ganhou a atenção e o apoio do pai. José Tomaz, de 66, conseguiu autorização do técnico de um time masculino do bairro para que a filha treinasse com os meninos. Ágata era destaque no meio da molecada. Quando mais duas amigas também se juntaram ao time, o pai da garota resolveu montar uma equipe só para elas. “Deu na cabeça dele de criar esse time para a gente continuar brincando sem o risco de nos machucar no meio dos meninos mais velhos. Era só uma coisa de diversão mesmo”, lembra a atleta.

Mas o time cresceu, ganhou espaço e os campinhos do bairro ficaram pequenos para aquelas jogadoras. O time que começou como diversão acabou disputando campeonatos em BH, onde o futebol feminino já era mais organizado. Os títulos vieram, e a dedicação de Ágata ao esporte só aumentou. A brincadeira ficou séria. Ela queria ser uma jogadora profissional e viver do esporte. O que a menina não esperava é que a realização desse sonho levaria tanto tempo e exigiria tanta luta e superação. “Nossa casa sempre foi cheia. Minha mãe tem cinco filhos e todos precisavam trabalhar. Por várias vezes, recusei empregos e deixei até de procurar porque preferia o futebol”, lembra.

<i>(Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>

De origem humilde, filha de costureira e mecânico, a jovem viu a necessidade financeira frustrar seu sonho de dedicar exclusivamente ao futebol. Em 2017, pensou em abandonar os planos. Não podia mais viver de incertezas. “Eu já tinha decidido desistir e começar a trabalhar. Uma amiga minha que jogava no América conseguiu um teste pra mim lá. Eu fiz e passei. Foi uma alegria que eu não consigo descrever”, conta emocionada.

No América, um dos primeiros clubes brasileiros a ter um time feminino profissional, fundado em 2015, o sonho dela se realizou. “Entrei no segundo semestre de 2017. Ainda não tinha contrato, mas já estava feliz só por poder jogar pelo América. No início do ano passado, fui contratada e assinaram minha carteira”, conta a atleta, que só estava começando a temporada de conquistas. “O ano de 2018 foi incrível. Comecei disputando a Copa BH, fiz o gol da final e fomos campeãs. No primeiro Campeonato Brasileiro que disputei na minha vida, marquei gol. O América tem me dado só alegrias”, comemora.

<i>(Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>


DRIBLE NO PRECONCEITO

Sem a mesma sorte de Ágata, que encontrou apoio da família desde o início, Brenda começou a jogar escondida dos pais. “Antigamente, meus pais falavam que futebol não era coisa de menina. Então, eu pegava a chuteira, escondia na bolsa e ia para o treino”, lembra a jovem. Ela começou jogando futsal e fut7. “A escolinha onde eu treinava, inicialmente com meninos, criou um time feminino e começamos a disputar alguns campeonatos”, diz. 

A transição da quadra para o campo veio há três anos. “Comecei a jogar no time do Paraíso, aqui em BH. Cheguei lá, e eles perguntaram qual era a posição que eu jogava. Inventei: ‘Sou volante’”, recorda. A inspiração para a posição veio do irmão, que já era jogador profissional e defendia as posições de volante e meia-atacante. “Me colocaram para jogar como volante, mas todo o tempo estava dentro da área. A volante não estava marcando! Aí, o professor falou para eu ir para a ponta e ficar lá. Depois disso, brincaram: ‘A cartomante que disse que você era volante errou, você é atacante, minha filha’”, conta, com humor.

<i>(Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>


Defendendo o time do Bairro Paraíso, ela acumulou conquistas. Depois de uma final contra o Prointer, da Barragem Santa Lúcia, veio o título mais importante até agora de sua carreira: o convite para integrar a equipe que se tornaria o Atlético. “Perdemos o jogo e o Prointer foi campeão, mas me destaquei na partida e fui muito elogiada. Acredito que foi daí que surgiu essa oportunidade”, comenta. Acostumada a pagar para jogar, Brenda agora recebe uma bolsa de um salário-mínimo, além de carteira assinada e uma estrutura de treino e acompanhamento nutricional oferecida pelo Galo. “É a realização de um sonho para mim. Ainda não é um salário que dá para nos manter, mas é uma conquista enorme para nós mulheres e para o futebol feminino”, destaca.

DUPLA JORNADA

O projeto abraçado pelo Atlético tem cunho social e as atletas ainda precisam conciliar o futebol com o trabalho. A profissão ‘titular’ de Brenda é cabeleireira. Ela e o marido têm um salão de beleza no bairro Sagrada Família, Região Leste de BH. “Eu trabalho no salão de terça a sábado. Os treinos táticos em campo são segunda, quarta e sexta à noite. Terça e quinta temos academia. É um pouco puxado sim, mas eu faço com prazer e alegria”, comenta a jovem.

<i>(Foto: Edesio Ferreira/EM/D.A Press)</i>


As esperanças de Ágata e Brenda, assim como para a modalidade do futebol feminino, ganharam novos contornos no ano passado. A partir de 2019, clubes que não têm equipe feminina estão impedidos de disputar a Libertadores. A parceria do Atlético com o Prointer atende a esta regra. “Essa obrigatoriedade define valorização. Agora o futebol feminino vai ter mais mercado. Vai valorizar a menina como atleta. Que bom que nós mulheres conseguimos subir mais esse degrau”, destaca a armadora do América. “A profissionalização significa muito. É uma realização pessoal, é uma realização feminina. As mulheres estão podendo ter seu espaço e mostrar que somos capazes de tudo”, conclui a atacante do Atlético.

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