Gustavo Nolasco

DA ARQUIBANCADA

A dor de nascer multicampeão

Obviamente, não teremos aquele embate épico do 6 a 2, mas canalizaremos nossos gritos para que saíamos com a classificação às semifinais da Copa do Brasil

postado em 15/08/2018 08:00 / atualizado em 14/08/2018 16:59

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
Quando a gente nasce, já vem Cruzeiro e, consequentemente, multicampeão. Porém, é inevitável admitir: carregamos uma frustação. A de ser impossível vivenciar 100% da infinidade de vitórias épicas, craques nacionais, ídolos eternos e títulos que esse clube quase centenário nos proporciona ano a ano. Ser cruzeirense, novo ou velho, é carregar o sentimento de nostalgia por um pedaço feliz da história que conhecemos, mas não presenciamos por ainda não termos nascido.

Os palestrinos vindos ao mundo depois do dia 2 de janeiro de 1921, por exemplo, já nasceram perdendo o lindo começo do filme. Pelo fato de a comunidade operária de italianos ter rompido a barreira do preconceito da elite de Belo Horizonte, criado um clube com a força do seu próprio trabalho e assim, naquela data, ter dado à galeria celeste o seu primeiro título de honradez e alma.

Já os nascidos depois de 1930, certamente, só conheceram a máquina ofensiva de Ninão, Bengala e Piorra escutando, por detrás da porta, a resenha na varanda do “nonno” com os amigos, ao final da macarronada de domingo, quando relembravam o tricampeonato de 28/29/30.

Os rebentos celestes dos idos modernistas da década de 1950 vieram privados de Niginho, um dos três maiores craques da história do Cruzeiro/Palestra, ao lado de Tostão e Dirceu Lopes. Só puderam ler as reportagens de Plínio Barreto sobre esse gênio, ícone da Família Fantoni e que defendeu a Seleção Brasileira.

Já os mais novos da geração vinda na década de 1970, como este que vos escreve, pela pouca idade, foram privados do gol antológico de Joãozinho em Santiago do Chile. Eu só vivi o clima da única final mundial disputada no Mineirão, entre o Cruzeiro e a Seleção da Alemanha (Bayern de Munique), graças ao relato de meu pai, que estava lá na geral. Mas nostalgia, lamento, vontade de ter vivido, sonho não realizado, a tal frustração mesmo foi não ter nascido em tempo de assistir com meus próprios olhos a maior partida da história mundial do futebol: Cruzeiro 6 a 2 no Santos, no dia 30 de novembro de 1966.

Depois de ter nascido, o Cruzeiro me deixou vivenciar craques, ídolos, títulos da Libertadores, Copas do Brasil de encher os dedos da mão, três Brasileiros e o épico bi da Supercopa. Sou de uma geração onde poucos resistiram à soberania do manto sagrado. Sim, existiu uma ala concentrada nas proximidades do bairro de Lourdes, em Belo Horizonte, que não se encaixava nesse passado de glórias não vividas, presente multicampeão e futuro de alegres perspectivas. Para essa gente, a maior diversão nos estádios, durante décadas, foi gravitar entre o picolé, xingar o juiz ou só mesmo fingir acreditar em algum título do seu clube, quando, no fundo, iam às arquibancadas só mesmo para estrear o sapatênis novo, presente do Dia dos Pais.

Vieram as gerações dos 1980, 1990, das duas primeiras décadas do século XXI e a nostalgia celeste dos títulos não vividos só aumentou. O que dizer do Rafael, um pequenino cruzeirense de sorriso fácil, nascido há seis meses e que, portanto, nem o penta da Copa do Brasil teve a oportunidade de presenciar? Se o maior presente que pai e mãe podem dar ao filho é deixa-lo nascer cruzeirense, o segundo é embalá-lo ao som das histórias e conquistas passadas do Maior de Minas. No caso do neném azul Rafael, seu pai, William, foi generoso e garantiu ao filho essas duas dádivas.Todos os dias, o acorda com um sussurro de “Zêro”, senta ao lado do berço e escolhe uma página heroica e imortal para diminuir a nostalgia de seu rebento. 

Hoje, logo mais, eu, meu pai, os descentes dos “nonos” palestrinos, William e milhares de multicampeões estrelados levaremos nossos olhos e corações ao Mineirão contra o Santos. Obviamente, não teremos aquele embate épico do 6 a 2, mas canalizaremos nossos gritos para que saíamos com a classificação às semifinais da Copa do Brasil, garantindo a perspectiva de nova conquista no futuro.

Se assim for, amanhã, Rafael, no sono de seu berço, abrirá os olhos brilhantes ao sentir a presença do carinho paterno e logo receberá mais uma dose de história cruzeirense soprada em seu ouvido pelo papai William.

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