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Potência abalada pela prepotência

País dominou 6 edições da Olimpíada e tem três dos maiores medalhistas da história, mas sucumbiu à ambição dos governantes

postado em 24/05/2018 16:10 / atualizado em 05/06/2018 21:01

REUTERS/Sergei Kivrin (arquivo)
O momento é, decididamente, de reerguimento. Mas não há como olhar para a Rússia sem reconhecê-la entre as maiores potências mundiais no esporte. Engenho da extinta União Soviética, formada por 15 repúblicas, os russos ostentam números notáveis, especialmente na história olímpica. Foi sob a bandeira da URSS que, entre 1952 e 1988, ganharam seis das nove olimpíadas disputadas: Melbourne’1956, Roma’1960, Munique’1972, Montreal’1976, Moscou’1980 e Seul’1988.

Não foi por acaso que três atletas soviéticos (um russo e dois da Ucrânia) se colocaram entre os cinco maiores medalhistas em Jogos. A liderança retrata bem a disputa encarniçada que se travou cabeça a cabeça com os Estados Unidos por quase quatro décadas no esporte. É ninguém menos que um americano, o nadador Michael Phelps, com 28 medalhas (23 ouros, três pratas e dois bronzes em Atenas, Pequim, Londres e Rio) quem lidera o ranking individual.

REUTERS/Sergei Kivrin/Files

Após a dissolução do bloco socialista, no início dos anos 1990, apenas a Rússia se manteve como ícone no campo esportivo, especialmente no atletismo e na ginástica. A base desse protagonismo começou a nascer no fim da década de 1920, com a implantação do Programa Nacional de Educação Física, que deu origem a diversas escolas de esportes. Vôlei, futebol, natação e atletismo figuravam entre os mais estimulados. Moscou via as ações como parte de um trabalho de integração, reafirmação do espírito coletivo da Revolução de 1917 e, claro, também essencial ao ufanismo do regime para além das fronteiras.

Modalidade olímpica desde 1964, em Tóquio, o vôlei foi um dos pontos fortes dos soviéticos até Seul, representando quatro ouros para a equipe feminina, que levou ainda duas pratas. Já o time masculino foi ao pódio mais alto três vezes, em duas terminou com a prata e ainda um bronze. No futebol, a Seleção Soviética chegou ao ouro em duas oportunidades: 1956 e em 1988, nessa edição exatamente diante do Brasil, vencendo por 2 a 1 na final uma geração da qual fizeram parte o goleiro Taffarel e o atacante Romário.

Entre seus fenômenos olímpicos, considerando-se a bandeira da URSS, estão três dos cinco maiores medalhistas da história, todos ginastas: a ucraniana Larissa Latynina (18 medalhas: nove ouros, cinco pratas e quatro bronzes em Melbourne’1956, Roma’1960 e Tóquio’1964), o russo Nikolai Andrianov (15 pódios: sete ouros, cinco pratas e três bronzes em Munique’1972, Montreal’1976 e Moscou’1980) e o ucraniano Boris Shakhlin (13: sete ouros, quatro pratas e dois bronzes em Melbourne, Roma e Tóquio).

Ainda em olimpíadas, brilhou também a estrela do nadador russo Alexander Popov, com quatro ouros (dois em Barcelona’1992 e dois em Atlanta’1986). Assim como a recordista mundial do salto com vara (5,06m, marca de 2009), Yelena Isinbayeva, dona de dois ouros (Atenas’2004 e Pequim’2008) e um bronze (Londres’2012), além de tricampeã mundial (2005, 2007 e 2013). O ucraniano Serguei Bubka é considerado o maior atleta no salto com vara da história, tendo conquistado o ouro em Seul’1988, além de seis campeonatos mundiais consecutivos, sendo três pela União Soviética e três pela Ucrânia.  Na prateleira de cima dos fenômenos do país, ainda a tenista Maria Sharapova, 31 anos, 32 títulos, entre eles cinco Grand Slams: Wimbledon (2004), Us Open (2006), Aberto da Austrália (2008) e Roland Garros (2012 e 2014).

Doping mancha a história esportiva

A mesma Rússia que construiu a imagem de uma superpotência esportiva chocou o mundo ao virem à tona as revelações de um esquema gigantesco de doping com a chancela estatal. As investigações da Agência Mundial Antidoping (Wada, em inglês) desnudaram um programa patrocinado pelo Ministério do Esporte russo amplamente usado na preparação para a Olimpíada de Londres’2012 e para os Jogos de Inverno de 2014, sediados em Sochi.

AFP

Os resultados foram devastadores para o país e seus competidores, com banimento de vários deles em competições internacionais. Sessenta e oito ligados ao atletismo, incluindo a multicampeã do salto com vara Yelena Isinbayeva, ficaram de fora da Olimpíada do Rio’2016. Em outras modalidades, foram 41. Noutra ponta, aquela que era a maior representante russa no tênis já amargava suspensão de dois anos, imposta um mês antes dos Jogos Olímpicos, também por ter recorrido a dopagem com substância proibida.

No caso do megaprograma de dopagem, as primeiras denúncias surgiram com o ex-diretor do laboratório antidoping Grigory Rodchenkov, que confirmou ter dopado dezenas de atletas antes da Olimpíada de 2012, em Londres, no Mundial de Atletismo, em Moscou, em 2013, e no Mundial de Natação de Kazan, em 2015. O objetivo era explícito: melhorar a performance e inflar medalhas e marcas. Assim, mais de mil atletas de 30 modalidades estavam envolvidos com os casos de acobertamento de testes positivos entre 2011 e 2015

As fraudes, de acordo com a Wada, incluíam o sumiço de exames. A atleta Yuliya Stepanova, dos 800m, e o marido, Vitaly Stepanov, ex-dirigente da Agência Antidopagem, também ajudaram a desbaratar as manipulações, ao confirmar a perseguição de vários competidores que haviam se recusado a participar da trapaça. Como Rodchenkov, eles tiveram de ser protegidos e se refugiaram nos Estados Unidos.

O custo da manobra foi altíssimo. Se o desafio era superar o quarto lugar em Londres’2012, o efeito foi contrário: na Rio’2016, ficou na mesma posição, mas com 19 ouros, contra 24 da competição anterior. E a Rússia parece não ter aprendido a lição. Banida da Olimpíada de Inverno de Pyeongchang, disputada em fevereiro deste ano na Coreia do Sul, cerca de 160 competidores do país foram admitidos sob bandeira neutra. Dois, incluindo o ganhador do bronze no curling, foram flagrados no doping.

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