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Arsenal nuclear que assombra o mundo

Poderio bélico associado a discursos do presidente Vladimir Putin mostra que a guerra fria ainda é uma realidade assustadora

postado em 24/05/2018 17:07 / atualizado em 05/06/2018 21:19

(Foto: AFP / POOL / THOMAS PETER )
As imagens são emblemáticas. Um vídeo mostra um míssil nuclear cruzando o Atlântico Sul, passando pelo Cabo Horn e seguindo em direção à Costa Oeste dos Estados Unidos. É mera representação sobre o projétil intercontinental que o governo da Rússia revelou ao mundo em março, como uma arma capaz de atingir qualquer ponto do planeta. Mas está para além disso. Mostra que os ecos da Guerra Fria – a bipolarização que praticamente cindiu o globo a partir dos anos 1950 entre aliados dos soviéticos e seguidores dos norte-americanos – ainda são um assombro para a humanidade.
O presidente Vladimir Putin, que seria reeleito poucos dias depois, deu ênfase à retórica assumidamente bélica, não muito distante das pregações do líder dos EUA, Donald Trump: “Eles não conseguiram conter a Rússia”. O restante do discurso era recheado de bravatas provocativas aos Estados Unidos e à União Europeia. “Agora eles precisam levar em conta uma nova realidade e entender que tudo que eu disse hoje não é um blefe”, emendou, sublinhando que os sistemas antimísseis seriam inúteis.

Análise do Instituto de Pesquisas para a Paz de Estocolmo revela que nove países detêm armas nucleares. De longe, Rússia e EUA puxam a fila do arsenal, com 7 mil e 6.800 dispositivos, respectivamente. Há ainda França (300), China (270), Reino Unido (215), com Israel, Índia, Paquistão e Coreia do Norte completando o grupo. No mesmo discurso de março, Putin ameaçou: “Nós vamos considerar qualquer uso de arma nuclear contra a Rússia ou seus aliados um ataque nuclear contra o nosso país”. Para em seguida prometer: “A resposta seria imediata”.

Os primeiros testes russos com armamento nuclear ocorreram em 1949, cinco anos depois dos Estados Unidos, responsáveis pelo lançamento das bombas que dizimaram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Com a bipolarização do pós-Guerra entre as duas superpotências mundiais (ainda que tenham combatido com a mesma coalização), as tensões foram crescentes, representadas tanto pela queda de braço para ampliar a zona de influência do capitalismo ou do comunismo quanto pela ostentação de poderio bélico. No caso da então União Soviética, entraram para a história os desfiles gigantes com arsenal militar na Praça Vermelha.

Embora não tenham ocorrido confrontos entre os dois países, até o fim dos anos 1980 houve conflitos pontuais que envolviam uma disputa direta, traduzidos em apoio logístico, econômico, político e armamentista em praticamente todos os continentes – Europa, África, Ásia, América Latina e Central. Foi como se deram as guerras na Coreia (também com ligação da China, entre 1950 e 1953) e do Vietnã (de 1965 a 1973).

Golpes de estado, como o do Brasil, em 1964, e outros em países latino-americanos tiveram como motivação essa dualidade. O mundo, assim, passou mais de cinco décadas ao sabor de uma divisão entre esses blocos. O esgarçamento se dá no começo dos anos 1960 com a construção do Muro de Berlim e a crise dos mísseis nucleares em Cuba, vizinha aos EUA, que receberia uma base soviética.

Um dos capítulos finais dessa medição de forças está no Afeganistão, invadido pelos soviéticos em 1979, quando o regime começava a dar sinais de esgotamento. A saída da zona de conflito em 1989, a queda do bloco comunista no Leste europeu e, posteriormente, a fragmentação da União Soviética no começo dos anos 1990 desenhariam um novo cenário mundial – aí incluída a redução gradual do arsenal nuclear. Resta saber se Putin e Trump tentarão reescrever essa história ao avesso.

Muro de Berlim e Cuba

Dos milhares de episódios na disputa entre a União Soviética e os Estados Unidos os mais emblemáticos certamente envolvem a construção do Muro de Berlim, em 1961, e a crise dos mísseis em Cuba. Por 13 dias, em outubro de 1962, o mundo viveu a iminência de uma terceira guerra mundial. Depois de a URSS instalar artefatos nucleares na ilha liderada por Fidel Castro e os EUA reagirem com bloqueio naval, incluindo a embarcações militares enviadas por Moscou, a diplomacia evitou o que seria um desastre de proporções gigantescas. Os soviéticos acabaram retirando o arsenal, sob a promessa de que os norte-americanos não tentariam uma nova invasão ao país da América Central, então aliado dos comunistas, e de que recolheriam seus mísseis instalados na Turquia.

A tensão em alta escala ocorria praticamente um ano depois de começar a ser erguido o Muro de Berlim pela Alemanha Oriental. Em 13 de agosto de 1961, o governo local, sob influência soviética, iniciou a montagem de um complexo de 156,4 quilômetros, que incluiria gradeamento metálico e redes eletrificadas. Desse total, 43,7 quilômetros estavam em Berlim. O objetivo: evitar a saída de alemães para o lado ocidental, numa debandada que atingira 3,5 milhões de pessoas de 1945 àquele ano. Dados, ainda conflitantes, indicam 138 mortes de cidadãos que tentaram furar o cerco. O bloqueio foi suspenso em 1989, com a ruína dos regimes pró-URSS e a perspectiva de reunificação das Alemanhas. Após a demolição, restaram poucos traços. O mais longo deles, de 1,3 quilômetro.

O desafio de se antecipar ao adversário e a briga pela narrativa criaram também uma extensa escola de espiões de lado a lado. Em seu auge, a KGB (Comitê para a Segurança do Estado, criada em 1954) se tornou a maior polícia secreta e serviço de espionagem do mundo, com cerca de 480 mil integrantes. O trabalho envolvia sabotagem, compra de informações, propagação de fake news que manchavam a imagem do rival e acesso a segredos científicos. Além de uma vigilância interna que custava a liberdade – às vezes, a vida – dos que se opusessem ao poder central tanto na União Soviética quanto nos países ligados ao bloco no Leste europeu.