COLUNA TIRO LIVRE

Um reciclado Jô

Ele mesmo explica que o surgimento deste novo Jô só foi possível porque ele quis sair daquele fundo de poço em que se enfiou na época de Galo, em 2014

postado em 17/11/2017 12:00

Daniel Augusto Jr/Corinthians

O futebol é terreno fértil para reviravoltas e roteiros hollywoodianos. Pela popularidade, é um dos esportes que mais permitem a seus personagens reescrever sua história. Às vezes, por mais de uma vez. É o caso do atacante Jô. Aos 30 anos, ele repaginou sua caminhada e conseguiu se reerguer, tornando-se um dos heróis do sétimo título brasileiro corintiano – para muitos, inclusive, foi o principal vértice da conquista. Para chegar até aqui, no entanto, o atacante precisou passar por intenso processo de reengenharia de si mesmo. Deixou para trás um passado nebuloso. E viu um novo horizonte surgir à sua frente.

Esse reciclado Jô, que resgatou o faro de gol (e não de gol qualquer, mas de gols importantes e decisivos), carrega nos ombros um aprendizado forjado no sofrimento. Mais experiente, aparenta também estar mais sereno. Segundo ele mesmo disse em entrevista pós-festa do hepta, um Jô abstêmio. Cerveja, agora, nem aquelas sem álcool.

Para compreender melhor este enredo, é preciso voltar no tempo. E o Atlético tem parcela importante em tal script. Jô chegou ao clube mineiro em maio de 2012, após ser afastado pelo Internacional por problemas disciplinares, leia-se noitadas. O time gaúcho havia acabado de ser eliminado da Copa Libertadores pelo Fluminense, no Rio. Depois do jogo, ele e o também atacante Jajá só retornaram para o hotel às 10h do dia seguinte. Sem dó nem piedade, Jô foi dispensado do Colorado. Na Cidade do Galo, viveu um período de simbiose perfeita, com time, diretoria, torcida. Em 2013, foi uma das peças mais importantes da vitoriosa campanha alvinegra na Libertadores. Não por acaso, terminou a competição como seu principal goleador. As boas atuações o catapultaram à Seleção Brasileira de Luiz Felipe Scolari, convocado para a Copa das Confederações’2013 e a Copa do Mundo’2014. Depois disso, no entanto, se perdeu em meio aos velhos casos de indisciplina.

Alegando problemas familiares (estava em processo de separação da mulher, Cláudia Santos), amargou jejum de gols, começou a faltar aos treinos, perdeu espaço. Atingiu o fundo do poço em novembro de 2014, destoando da fase empolgante vivida pelo Atlético, que colecionava reviravoltas épicas na luta pelo inédito título da Copa do Brasil.

Recém-reintegrado ao grupo após quase duas semanas sem treinar, no segundo sumiço em menos de três meses, Jô havia ganhado um voto de confiança do técnico Levir Culpi e sido relacionado para o confronto com o Atlético-PR, em Curitiba, pelo Campeonato Brasileiro. Era o domingo anterior ao segundo jogo da semifinal da Copa do Brasil, contra o Flamengo – o Galo teria de vencer os cariocas no Mineirão, já que perdera no Rio por 2 a 0. E assim acabou sendo, com aqueles 4 a 1.

Aí veio uma pisada de bola daquelas federais. Jô entrou em campo no segundo tempo, na Arena da Baixada, e a paz parecia restabelecida. Depois de um jantar com toda a delegação, ele, o atacante André e o lateral Emerson Conceição se encontraram com três mulheres em um quarto do hotel onde o Atlético estava hospedado. Flagrados, acabaram suspensos. A intenção inicial da diretoria era rescindir os contratos, mas o imbróglio jurídico seria tamanho que, em janeiro do ano seguinte, eles foram reintegrados. Aqui vale um adendo à la Nelson Rubens: em entrevista ao canal de YouTube Desimpedidos, em junho deste ano, André revelou que não era apenas o trio de jogadores que estava naquela farra. Mas não entregou o nome dos demais envolvidos.

Jô deixou o Atlético em julho de 2015, vendido ao Al-Shabab, dos Emirados Árabes, por R$ 10, 4 milhões – o alvinegro embolsou 50% do total. Pouco depois, se transferiu para o chinês Jiangsu Suning. No meio do ano passado, sem prestígio, retornou ao Brasil. Até apareceu no CT atleticano, para manter a forma. E cogitou-se a possibilidade de ele voltar a atuar pelo clube, porém, preferiu o Corinthians, pois no Galo teria a concorrência de Fred e Pratto.

Em novembro do ano passado, o atacante selou seu destino e sua volta ao Timão, clube no qual estreara como profissional 13 anos antes. Chegou estigmatizado. Cercado de desconfiança. Não atuava havia seis meses. Praticamente na mesma época, renovou os votos de casamento com Cláudia. Jô também havia se renovado. Ele mesmo explica que o surgimento deste novo Jô só foi possível porque ele quis sair daquele fundo de poço em que se enfiou na época de Galo, em 2014. Diz que parou definitivamente de beber. Passou a se cuidar extracampo, a se dedicar à família. Em 2017, colheu os frutos com os gols. Gols fundamentais para o Corinthians, é verdade, mas muito mais importantes para a reafirmação dele, como pessoa e jogador. E esse foi o verdadeiro gol de placa de Jô.

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