TIRO LIVRE

Levir é a verdade que o Galo precisa

É de alguém assim, disposto a jogar limpo, que o Atlético necessita agora. Alguém que enxergue a realidade nua e crua. Que mostre o Galo como ele é

postado em 26/10/2018 10:17

Bruno Cantini / Atlético
Não é exagero dizer que, do alto de seus 289 jogos à frente do Atlético e com a experiência de quem já trabalhou com todo tipo possível de jogador e dirigente em mais de 30 anos de carreira como treinador, Levir Culpi pode render ao Galo, em sua quinta passagem pela equipe, muito mais do que os benefícios técnicos, táticos e filosóficos esperados. Dono de uma língua afiada e de espontaneidade rara no mundo do futebol, o paranaense pode ser o choque de realidade que os cartolas atleticanos precisam para corrigir o rumo ainda em 2018, com vistas a um 2019 mais proveitoso.

A palavrinha mágica desta equação é transparência. Levir não costuma pôr panos quentes em nada. Aos 65 anos, ele chegou a uma altura na vida em que não esquenta mais a moringa, como diriam os sábios. Fala o que pensa e ponto final. É fato que nem todos recebem com serenidade as críticas, ainda mais em um meio em que impera a vaidade. Por isso, vez ou outra o treinador acaba batendo de frente com quem não gosta muito de ser contrariado. Quem sente o golpe, considera a sinceridade de Levir um defeito. Para mim, a coragem de se posicionar é sempre uma virtude.

Pois tanto quanto um zagueiro, um armador ou um atacante, é de alguém assim, disposto a jogar limpo, que o Atlético necessita agora. Alguém que enxergue a realidade nua e crua. Que mostre o Galo como ele é: nada além do que um time que faz campanha condizente com o nível das contratações feitas pela diretoria. Vaga na Copa Libertadores do ano que vem seria a meta mais realista, e a partir daí deveriam nascer as cobranças. O problema começou justamente quando os próprios dirigentes superdimensionaram o objetivo, colocando o alvinegro no patamar de briga pelo título brasileiro. Não era para tanto. Resultado: a expectativa da torcida foi lá no alto, e quando a equipe não conseguiu entregar o que havia sido prometido pelos cartolas, veio a decepção.

Pois esse é um ambiente que Levir conhece bem. No próprio Atlético, já viveu momentos semelhantes e em alguns deles usou de declarações nada convencionais para baixar a bola da turma. Como responsável pela cobertura do alvinegro para o Estado de Minas, testemunhei várias situações, como quando ele chamou o armador Ramon de “Q.I. de alface”, no início de 2002 – em entrevista, o jogador havia reclamado por treinar entre reservas no dia em que voltava de contusão. O sincericídio levou o técnico para o banco dos réus, numa ação de danos morais movida por Ramon.

Naquele mesmo ano, Levir deu outra demonstração de autenticidade ao comentar sua saída do comando do Galo depois da derrota para a Caldense por 4 a 2, pelo Supercampeonato Mineiro. “Esta comissão técnica não tem mais capacidade de mobilizar o grupo”, disse, sem terceirizar a culpa pelo revés, que veio logo depois de uma das maiores frustrações da história do clube: a eliminação da Copa do Brasil pelo modesto Brasiliense.

Em seu retorno em 2014, ele comprou briga com um de seus maiores fãs no Atlético, Alexandre Kalil, então presidente do clube. Em entrevista ao Globoesporte.com, disse que um dos obstáculos que havia encontrado era o “oba-oba” em torno da conquista da Copa Libertadores’2013, que teria deixado time, torcida e dirigentes de “nariz empinado”. Kalil respondeu com uma indireta pelo Twitter. “No Atlético é o seguinte: do porteiro ao presidente, se tiver ruim, é só pedir pra ir embora. Sem drama e sem conversinha”, escreveu, completando em outro post, logo em seguida: “Ah! Só fica com nariz em pé quem já ganhou Libertadores”. Coube ao então diretor de futebol atleticano, o saudoso Eduardo Maluf, amigo de ambos, entrar em cena para apaziguar os ânimos.

A amizade entre eles seguiu fortalecida, ainda mais depois que Levir liderou o time na campanha que levou para a galeria da Sede de Lourdes a taça da Copa do Brasil, numa participação épica, que contou com triunfos sobre Corinthians, Flamengo e, na final, Cruzeiro. Na temporada seguinte, Levir voltou a ser Levir. Em entrevista ao Superesportes, disse que preferia que a diretoria alvinegra colocasse o salário de atletas e funcionários em dia do que contratasse reforços. A torcida chiou, pois exigia que o clube fosse ao mercado atrás de jogador. No fim do ano, com o Atlético vice-campeão brasileiro, o então presidente Daniel Nepomuceno demitiu Levir. Na despedida, em lágrimas, ele considerava encerrado seu ciclo no futebol mineiro.

Mas o adeus foi breve. Há uma semana, Levir Culpi foi apresentado novamente como técnico do Galo. Na primeira entrevista, claro, não deixou de soltar uma de suas pérolas. “A língua é o chicote da bunda. No futebol, não existe uma verdade, existe uma lógica. Mas essa lógica pode ser facilmente destruída.” Não é apenas no futebol, Levir. Na vida também. Hoje em dia, manifestar-se livremente parece, cada vez mais, um grande privilégio. Que lutemos sempre pelo direito de ter voz e de dizer não quando necessário.

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