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COPA AMÉRICA

Do pioneirismo à morte trágica: A história do Monumental David Arellano, o eterno Cacique

Palco de Brasil x Colômbia foi batizado com o nome da maior lenda do Colo-Colo

postado em 17/06/2015 10:00 / atualizado em 17/06/2015 14:05

Pedro Galindo /Especial para o Diario

Los Sports. Santiago : Zig-Zag, 1923-1931. 8 v. nº 222, (10 jun. 1927), p. 6.
Não faz tanto tempo, o Estádio Monumental David Arellano, que nesta quarta-feira recebe o jogo entre Brasil e Colômbia, frequentava as páginas do Diario. Foi onde o Sport fez sua estreia na Libertadores de 2009, vencendo o Colo Colo por 2 a 1 diante de 1.800 torcedores rubro-negros. Mais heroica do que a vitória leonina, é a história do sujeito que dá nome à cancha da mais vencedora equipe do futebol chileno, da qual foi fundador e primeiro capitão. Alguém que rompeu as barreiras do amadorismo - dentro e fora de campo -, foi pioneiro na forma de enxergar o jogo e, dizem, foi inventor de um de seus lances mais plásticos. Uma trajetória de apenas 25 anos, encerrada de maneira banal, enquanto ele defendia o clube de sua vida, que até hoje faz questão de não esquecê-lo.

Desde garoto, David sempre foi um verdadeiro apaixonado por futebol. Nascido em Santiago em 1902, começou ainda adolescente a se destacar no incipiente cenário do esporte no país. Aos 17 anos, chegou a jogar simultaneamente pela Escuela Normal José Abelardo Núñez, em torneios escolares, e o Magallanes, equipe mais forte da capital chilena à época. Com ela, Arellano conquistou três títulos municipais, e se tornou o principal destaque da seleção chilena que disputou o Sul-Americano de 1924. Só que a experiência internacional terminou abrindo os olhos do craque para o atraso do futebol em sua nação. E abriu caminho para que ele se tornasse um mártir.

Rebeldia pioneira

Apesar de atuar num clube respeitado, Arellano não estava satisfeito com as condições de trabalho que eram oferecidas a ele e a seus companheiros. Por isso, liderou um movimento para que o clube arcasse com chuteiras, padrões de jogo e, claro, salários. Mas ao invés de dar esse passo rumo ao profissionalismo, a diretoria do Magallanes rechaçou todas as exigências dos jogadores. Em represália, ainda tomou do craque a faixa de capitão. Foi a gota d’água. Num espaço de 15 dias, esse grupo de contestadores abandonou o clube para fundar o Colo-Colo, no dia 19 de abril de 1925. O nome da nova equipe foi escolhido em homenagem a um cacique mapuche, símbolo da resistência à colonização espanhola.

Los Sports. Santiago : Zig-Zag, 1923-1931. 8 v. nº 124, (24 jul. 1925), p. 10.
Além de enxergar as carências do futebol de seu país no quesito estrutural, Arellano percebeu também uma grande defasagem na forma como o esporte era jogado pelos clubes e pela seleção chilena. Afinal, quando enfrentou argentinos e uruguaios no Sul-Americano, encontrou adversários que já vinham enfrentando equipes europeias desde o início do século e, por isso, tinham mais experiência e padrão de jogo. Para ele, estava claro: era preciso dar esse salto de qualidade.

Invenção?
Em 1927, a Federação Chilena escolheu o Colo-Colo para representar o país em uma excursão pelo Velho Continente. E num vapor partindo de Valparaiso, o Cacique partiu rumo à Península Ibérica, onde faria amistosos contra times portugueses e espanhois. Nessa viagem, Arellano apresentou uma grande novidade ao público espanhol: um arremate diferente, que se tornou conhecido como “chilena” em quase todo o mundo hispânico. Mas no Brasil, a jogada tem um nome - e até um inventor - diferente: Leônidas da Silva. Isso mesmo: para os chilenos, não foi o nosso “Diamante Negro” o inventor da bicicleta, e sim David Arellano. Um craque acrobático e destemido, que teria sua vida abreviada justamente em um desses lances em que ele costumava demonstrar toda a sua valentia.
Los Sports. Santiago : Zig-Zag, 1923-1931. 8 v. nº 218, (13 may. 1927), p. 20.

Tragédia
No dia 3 de maio daquele ano, o Colo-Colo fazia seu segundo amistoso contra a Real Unión Deportiva de Valladolid. E numa disputa de bola pelo alto com o zagueiro rival David Hornia, Arellano levou a pior: o adversário caiu com o joelho por cima de seu estômago. A pancada provocou um abscesso intra-abdominal conhecido como peritonite. Nos dias de hoje, seria algo solucionável sem maiores problemas. Mas dentro das limitações da medicina da época, nada pôde ser feito. Assim, com apenas dois anos de existência, o clube chileno perdia de forma trágica seu capitão, no auge de seus 25 anos de idade.

A morte do craque causou uma enorme comoção entre os chilenos de todas as torcidas. E deixou uma marca eterna no uniforme do Cacique: pouco acima do escudo, passou a figurar uma tarja preta. Representando o luto eterno pela perda do fundador, capitão e grande referência de uma equipe que nasceu para dar ao futebol chileno suas maiores conquistas.
Colo-Colo/Site oficial

O parto de um sonho monumental
Mas a saudade de David Arellano era grande demais para ficar apenas estampada em negro na camisa do “Popular”. Tanto que, em meados da década de 50, o clube anunciou um projeto de construção de um estádio próprio que levaria o seu nome. Localizada na comuna de Macul, sudeste de Santiago, a praça esportiva inicialmente seria uma das sedes do Mundial de 1962. Mas em 1960, quando a obra já estava 75% concluída, o imprevisível se colocou mais uma vez no caminho do Colo-Colo. Um terremoto de grandes proporções abalou a economia chilena e, por isso, o governo optou por realizar o evento só em estádios já construídos.

Colo-Colo/Site oficial
Os torcedores do Cacique tiveram, então, que esperar até 1975 para ver sair do papel o estádio batizado em homenagem ao seu grande capitão, que já era chamado pejorativamente de “canteiro de obras” pelos rivais. Mas a felicidade não durou mais do que cinco partidas: em condições precárias de segurança, o Monumental David Arellano foi novamente fechado para melhorias, para ser reaberto somente em setembro de 1989. A tempo de ser palco, em 1991, do único título do Colo-Colo na Taça Libertadores, o maior troféu do futebol chileno. Uma conquista que só podia acontecer com alguma participação do eterno capitão.