Futebol Internacional

DÍVIDA DOS CLUBES

Europa não perdoa dívidas e clubes tradicionais fecham as portas

Enquanto a Europa rebaixa e até fecha as portas de clubes tradicionais com grandes débitos, times brasileiros muito mais enrolados financeiramente continuam firmes na Série A

postado em 15/03/2015 10:10 / atualizado em 15/03/2015 10:32

Rodrigo Antonelli /Correio Braziliense

David Moir/Reuters - 19/12/12

Os clubes brasileiros podem ter dívidas do tamanho que quiserem. Pelo menos é essa a ideia que parece permear as mentes de dirigentes dos principais times do país. Enquanto na Itália o centenário Parma deve ter falência decretada nesta semana, e ser rebaixado no Campeonato Italiano, por um débito estimado de R$ 300 milhões, no Brasil, gigantes como Flamengo, Corinthians, Vasco, Palmeiras e Fluminense continuam ilesos — e em pleno funcionamento — com dívidas mais altas (veja quadro).

O Flamengo, por exemplo, deve cerca de R$ 800 milhões. Ver as portas do clube fechadas e o time proibido de entrar em campo, porém, é algo inimaginável, atualmente. “Como associações sem fins lucrativos, os times não podem falir. No máximo, poderiam quebrar, fechar as portas. Mas isso dependeria de um consenso entre todos os associados, algo que nunca vai acontecer”, analisa Gustavo Delbin, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). Enquanto isso, os clubes vão acumulando dívidas que podem nunca ser pagas. Perdem os credores, que são, muitas vezes, vinculados ao governo federal.

Especialistas ouvidos pelo Correio são unânimes em afirmar que o fato de os clubes no Brasil não serem empresas os protege. “Na Europa, vez ou outra vemos equipes de nome falirem porque lá elas são clubes-empresas, com um único dono. Nesse caso, se o clube falir, a responsabilidade vai para o presidente e os diretores, que terão de quitar as dívidas de alguma maneira, vendendo bens pessoais, por exemplo. Isso não ocorre no Brasil”, explica Maurício Corrêa da Veiga, presidente da comissão de direito desportivo da OAB-DF.

Assim, casos famosos, como o do Napoli no início da década, não têm vez no Brasil. Em 2004, a equipe italiana — que tem a quarta maior torcida do país e chegou a contar com Diego Maradona no auge de sua história — foi rebaixada à última divisão da Itália e teve até que mudar de nome, por causa de dívida de 70 milhões de euros. É como se Palmeiras ou Vasco caíssem para a quarta divisão do Campeonato Brasileiro.

Solução
Para os juristas, resolver o problema da inadimplência dos clubes não é fácil. Segundo eles, há uma mentalidade obsoleta entre os dirigentes. “Já ouvi muitos dizerem que pagar dívida não ganha título. Então, para que eles comecem a ‘sentir na pele’ e passem a pensar duas vezes antes de se endividarem, é necessário começar a dificultar esse caminho ao título. Se não pagar, perde pontos ou é rebaixado”, opina Maurício Corrêa da Veiga. É isso que o governo busca, tanto no Executivo, quanto no Legislativo, discutindo propostas para refinanciar as dívidas com contrapartidas.

O interesse dos clubes, contudo, não é exclusivamente com a moralidade do esporte, como é dito. Para eles, o refinanciamento é muito importante, porque eles não dispõem de linhas de crédito favoráveis no mercado. “A lei é importante para que as punições sejam formalizadas e forcem os clubes a pagarem essas dívidas, mesmo que em prazos longos. O que não dá é para o governo ficar sempre no prejuízo”, defende Daniel Cravo, especialista em direito desportivo.

Possibilidades
A decisão sobre a falência do Parma pode ter dois desdobramentos: na primeira, o clube é colocado em leilão pela Justiça e um novo dono ou grupo de pessoas assume, responsabilizando-se a pagar as dívidas. Assim, o clube manteria seu registro esportivo e jogaria a Série B no ano que vem. Caso a falência não ocorra dessa maneira, a equipe precisaria começar do zero, iniciando no amadorismo da sexta ou sétima divisão italiana.

Duas propostas em discussão
Enquanto a Câmara dos Deputados tem um projeto pronto para ser votado, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, o governo federal negocia uma medida provisória sobre o mesmo assunto. A segunda teria tempo de parcelamento menor e a exigência de uma entrada. Além disso, especula-se que o Executivo traria contrapartidas mais duras.

Ranking
Veja abaixo as estimativas das dívidas de cada um dos 12 principais clubes do país

1. Flamengo - R$ 800 milhões
2. Botafogo - R$ 700 milhões
3. Vasco - R$ 520 milhões
4. Atlético-MG - R$ 440 milhões
5. Fluminense - R$ 420 milhões
6. Corinthians - R$ 350 milhões
7. Palmeiras - R$ 315 milhões
8. Santos - R$ 300 milhões
9. Grêmio - R$ 280 milhões
10. São Paulo - R$ 250 milhões
11. Internacional - R$ 230 milhões
12. Cruzeiro - R$ 200 milhões

Dívida e consequência
Casos de alguns europeus que foram à falência por causa de débitos mais modestos do que os de alguns times brasileiros

Fiorentina (Itália)
  • Ano da falência: 2002
  • Dívida: 133 milhões de euros (R$ 275 milhões è época)
  • Consequências: Foi comprada a preço de banana pelo novo dono, que assumiu as dívidas; teve que mudar de nome, e foi rebaixada à terceira divisão. Posteriormente, recuperou o nome e voltou à Série A.

Napoli (Itália)
  • Ano da falência: 2004
  • Dívida: 70 milhões de euros (R$ 245 milhões à época)
  • Consequências: Deixou de existir como Società Sportiva Napoli, foi refundada como Napoli Soccer e rebaixada à terceira divisão. Depois, recuperou o antigo nome e voltou à Série A.

Leeds United (Inglaterra)
  • Ano da falência: 2007
  • Dívida: 150 milhões de euros (R$ 410 milhões à época)
  • Consequências: Foi rebaixado à terceira divisão do Campeonato Inglês. Em 2010, conseguiu voltar à segunda divisão, onde permanece até hoje.

Rangers (Escócia)
  • Ano da falência: 2012
  • Dívida: 27 milhões de euros (R$ 64,3 milhões à época)
  • Consequências: Mudou de nome e de dono e foi rebaixado à quarta divisão escocesa. Atualmente, joga a segunda divisão nacional e tenta voltar à elite.

AEK (Grécia)
  • Ano da falência: 2013
  • Dívida: 170 milhões de euros (R$ 440 milhões à época)
  • Consequências: Foi rebaixado à terceira divisão grega. Agora, está na segunda, tentando voltar à elite.

Cluj (Romênia)
  • Ano da falência: 2015
  • Dívida: 20 milhões de euros (R$ 66 milhões)
  • Consequências: Perdeu 24 pontos no atual Campeonato Romeno. Assim, terá que jogar a segunda divisão na próxima temporada.