Futebol Nacional

Segurança no Mané Garrincha repercute: especialistas discutem o papel do Poder Público em um evento privado

Episódio da partida entre Flamengo e Vasco em Brasília reabre a discussão da responsabilidade das forças de segurança dentro de um evento esportivo

postado em 21/02/2017 06:00 / atualizado em 21/02/2017 00:24

Após o Mané Garrincha ser descartado como sede da semifinal da Taça Guanabara entre Flamengo e Vasco no próximo sábado, a responsabilidade da segurança dentro dos jogos de futebol nos estádios voltou a ser questionada. A partida foi recusada depois da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) informar que a prioridade, de 20 de janeiro a 1º de março, é a segurança pública do carnaval da cidade.

Como prevê a lei 10.671, conhecida como Estatuto de Defesa do Torcedor, a prevenção da violência nos esportes é de responsabilidade do Poder Público e também dos clubes e entidades esportivas, inclusive de seus respectivos dirigentes, bem como daqueles que, de qualquer forma, promovem e organizam os eventos esportivos. No fim da noite de segunda-feira, a Federação Estadual do Rio de Janeiro decidiu que a partida entre Flamengo e Vasco será realizada no próximo sábado, às 18h30, Estádio Radialista Mário Helênio, em Juiz de Fora (MG).
 
Ed Alves/CB/D.A Press
 
Porém, mesmo que os jogos de futebol sejam eventos privados, a entidade que detém o mando da partida e seus dirigentes devem, segundo a lei, solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos. Ou seja, a segurança é realizada pela Polícia Militar.

Segundo a assessoria da Secretaria Adjunta de Turismo, órgão responsável por administrar o Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha, do portão externo do estádio para dentro, a proteção do local é dividida entre o setor público e privado. O coronel André Gustavo Amarante, gerente de Planejamento da Subsecretaria de Integração de Operações de Segurança Pública (SIOSP), explica que a segurança pública segue a legislação vigente e que a responsabilidade é compartilhada.

Ele explica que as ações de segurança dentro do estádio são divididas em três níveis. “O primeiro contato com o torcedor é do âmbito privado, no qual é feito revista de público e orientação”, explica o militar. Neste primeiro nível, também está incluído o bloqueio de áreas restritas e a resolução de pequenos conflitos.
 

Outros níveis


No segundo nível, o âmbito privado continua exercendo a maior parte da responsabilidade e a Polícia Militar só entra em ação quando não há controle por parte da setor privativo. Já o terceiro e último nível é exclusivo da força pública, no qual é necessário amenizar e dispersar grandes confrontos e confusões, no qual somente a Polícia Militar está apta a intervir.

Segundo o coronel Amarante, o mandante do jogo tem que disponibilizar, no mínimo, um segurança privado para 250 pessoas. O número pode variar dependendo do nível da partida, da rivalidade entre torcidas e outras variáveis. “Há jogos com um segurança para 70 pessoas”, afirma. Já o número de policiais militares é decidido de acordo com o evento e efetivo disponível.

 Para Amarante, a responsabilidade do poder público não deve ser delegada a nenhum outro âmbito. O professor e pesquisador de segurança pública da Universidade Católica de Brasília Nelson Gonçalves concorda. Para ele, ainda que o jogo seja um evento privado, o Estado tem que ser capaz de intervir. “A segurança privada não tem os instrumentos necessários para interceder em determinadas situações”, afirma.

O especialista relembra os últimos eventos de futebol que terminaram em tragédia. Foi o caso do jogo entre Flamengo e Botafogo válido pelo Campeonato Carioca, que terminou com a morte de um torcedor botafoguense após um conflito entre as torcidas. “Como temos visto atualmente, às vezes a própria força do estado não é suficiente para conter a situação”, ressalta. A assessoria da Polícia Militar do Distrito Federal afirmou por meio de nota que “a corporação baseia-se de acordo com a previsão legal para não prejudicar o evento nem o policiamento local”.

Mudança na lei


Para alterar o Estatuto de Defesa do Torcedor, o projeto de lei do Senado nº 457 prevê o uso de segurança privada no interior dos locais de eventos esportivos. A proposta é da Comissão Parlamentar de Inquérito do Futebol (CPI do Futebol), que funcionou no Senado até dezembro de 2016.

O projeto prevê a inclusão de um inciso no artigo 14 do Estatuto que determina que o clube detentor do mando de jogo deve “disponibilizar agentes de segurança  privados, devidamente identificados e em número adequado, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos".

Como na lei já é previsto a solicitação da presença de agentes públicos de segurança no local, não haveria grande alteração, somente uma obrigação adicional aos dirigentes. Para o  professor  Nelson Gonçalves, alocar outro tipo de força que pode colaborar parcialmente com a proteção dos cidadãos seria ótimo. “Caso a segurança privada seja empregada de forma que a pública possa abrir mão de grandes efetivos de PM’s nos jogos, você pode utilizá-los em outras atividades”.

O doutor em sociologia na Universidade de Brasília (UnB) Luiz Otávio Teles não acredita que implementar a privatização da segurança seja o problema da questão. “Apesar da série de coisas que precisam ser tratadas na questão da proteção nos estádios, este é um papel que o Estado que tem que desempenhar”, afirma. Ao mesmo tempo, ele questiona a capacidade da força pública em trabalhar com grandes eventos.

Nelson alerta que entregar totalmente esse tipo de proteção a força privada pode gerar alguns problemas. “Não podemos esquecer que em uma democracia o uso legítimo da força é do Estado e é fundamental que ele esteja presente nesse tipo de evento e situação”, conclui.