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Golpe Militar de 1964 usa Seleção Brasileira como propaganda política

No cinquentenário do Golpe Militar de 1964, o Correio mostra como o regime do presidente Médici se apoderou do time tricampeão do mundo. Mais conscientes, alguns atletas daquele supertime lamentam a omissão à época

Gustavo Marcondes - Correio Braziliense

Braitner Moreira - Correio Braziliense

Publicação:

30/03/2014 15:12

Na carreata pela W3 Sul após o título de 1970, Pelé subiu em um jipe do Exército e, cercado por militares, foi ovacionado pelos brasilienses  (Arquivo CB/D.A Press)
Na carreata pela W3 Sul após o título de 1970, Pelé subiu em um jipe do Exército e, cercado por militares, foi ovacionado pelos brasilienses

São exatos 50 anos e o futebol brasileiro ainda tenta se acertar com alguns fantasmas deixados pelo obscuro período do golpe militar na história do país. O fato de o esporte nacional ter sido usado como propaganda política do regime ainda lança uma mancha de tristeza sobre aquela que é considerada, de forma quase unânime, a maior equipe da história: a Seleção Brasileira de 1970. Uma marca nem sempre visível, que muitas vezes tende a ser minimizada, mas impossível de ser ignorada quando o tema volta a ser analisado de perto.

A maioria dos tricampeões no México não gosta de — ou não topa — falar sobre tema. A resposta de que a equipe pensava apenas em futebol, e não em política, ainda é quase padrão. Foi dada dezenas de vezes ao longo dos últimos 44 anos. Mas há aqueles que têm a capacidade de desenvolver uma avaliação daquele período. “Infelizmente, faltava consciência política à Seleção. Se soubéssemos que nossa conquista estaria ajudando de alguma forma o governo, poderíamos ter feito algo diferente”, diz, ao Correio, com certa dose de arrependimento, o zagueiro titular Wilson Piazza, hoje com 71 anos.

Atualmente, Piazza preside a Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP). O tricampeão acredita que os jogadores tiveram a oportunidade de aproveitar a enorme exposição causada pelo título para falar da situação do país. “Mas não passou pela nossa cabeça. Só queríamos jogar bola. Se era ditadura, democracia, pouco importava”, reconhece o ídolo do Cruzeiro. Ele lembra que, na demissão do técnico comunista João Saldanha, um ato claramente político às vésperas do Mundial, todos os jogadores se calaram. “Sabíamos que a razão da mudança (de treinador) era o posicionamento dele (Saldanha). Mesmo assim, poderíamos ter demonstrado algum apoio”, opina Piazza.

Emílio Garrastazu Médici com a Seleção de 1970 no Planalto e, ao lado, em um momento íntimo com Pelé: apropriação do sucesso do futebol (Arquivo CB/D.A Press)
Emílio Garrastazu Médici com a Seleção de 1970 no Planalto e, ao lado, em um momento íntimo com Pelé: apropriação do sucesso do futebol
Para Emerson Leão, goleiro reserva no Mundial do México, os jogadores tinham, sim, a percepção do uso da conquista como propaganda pelo militares, principalmente na recepção preparada pelo presidente general Emílio Garrastazu Médici em Brasília. “É lógico que a gente percebia, mas, ao mesmo tempo, aquela festa não era uma mentira. Merecíamos. Tínhamos conquistado o tricampeonato”, recorda o treinador, hoje com 64 anos, que tinha apenas 21 em 1970.

Propaganda
O gremista Médici foi o presidente dos anos de maior repressão (1969 a 1974) e, ao mesmo tempo, um dos mais populares do governo militar brasileiro. Embalado pelo chamado milagre econômico do início dos anos 1970, ninguém utilizou a Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP) melhor do que ele. O órgão, subordinado ao Gabinete Militar, era responsável pela estratégia de propaganda do governo.

Criada em 1968 — mesmo ano do AI-5, decreto que suspendeu tantas garantias constitucionais —, a AERP não demorou a perceber que o futebol seria uma mina de popularidade para os militares. Já em 1969, o regime buscou navegar na onda das celebrações pelo milésimo gol de Pelé, quando Médici o recebeu no Planalto para conceder a medalha de mérito nacional e o título de comendador.

A imagem do presidente general como homem do povo foi cuidadosamente cultivada. Para reforçá-la, nada melhor que suas frequentes idas ao Maracanã, onde acompanhava as partidas, como qualquer torcedor, munido de um radinho de pilha. A conquista da Copa de 1970, embalada pelo jingle Pra frente Brasil, e a recepção dos “heróis do tri” na capital foram o auge da apropriação do sucesso do futebol brasileiro pelos militares.

Simpatia
Diante de uma multidão na Praça dos Três Poderes, Médici recebeu a Taça Jules Rimet das mãos do capitão, Carlos Alberto Torres, e a ergueu. A festa preparada e a imagem de homem apaixonado por futebol conquistaram boa parte da comissão técnica. O treinador Mario Jorge Lobo Zagallo atesta a simpatia com que o general congratulou a Seleção. “Eu e minha esposa passamos 40 minutos sozinhos com ele, batendo papo. Só falamos de futebol. Ele foi fora de série conosco”, relembra o quatro vezes campeão mundial, de 82 anos, em entrevista ao Correio.

Zagallo diz que o grupo de 1970 não discutia a situação do país naquele momento. “Não misturávamos as coisas. Nosso futebol era sem política”, afirma o treinador.

Jairzinho, o Furacão da Copa, autor de gol em todas as partidas daquele Mundial, afirma que o uso da conquista pelos militares não incomodava porque “a gente só pensava em futebol”. “Não se pode querer diminuir o nosso feito por causa da situação da época. A ditadura não teve influência nenhuma. A ditadura não jogava bola”, diz o ex-atacante, 69 anos, que se irrita sobre o tema.

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